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Quatro encantos, uma crítica e uma reflexão

O festival cria uma atmosfera repleta de qualidades, mas também suscita algumas reflexões

Alexandre Zaghi Lemos
18 de março de 2016 - 20h42

Por Igor Ribeiro, editor do Meio & Mensagem

A marca de polo de inovação, vanguarda digital e tecnológica é do SXSW e ninguém tasca. Mas coloco a seguir outras quatro características do festival que também me impressionaram. Aproveito para destacar um ponto fraco e uma reflexão.

Multidisciplinaridade
Nunca vi tanta gente diferente reunida num só lugar. Quero dizer diferente mesmo, variada, não só esquisita. Geeks, executivos, autoridades, engenheiros, publicitários, jornalistas, cineastas, músicos, arquitetos, designers, educadores, empreendedores, paquistaneses, indianos, orientais, latinos, europeus, africanos, patricinhas, hippies, cyberpunks, cosplayers e bêbados (muitos). E esquisitos também.

Não tem como tamanha diversidade não ser minimamente inspiradora. Quem estiver aberto a ela, sai de Austin com uma fabriquinha de ideias.

Networking
Essa multidisciplinaridade oferece a oportunidade de fazer muitos contatos. Por causa de certa insegurança linguística ou até afinidade cultural, as pessoas tendem a se encontrar entre os seus, o que fomenta aquela piadinha levemente hipócrita: “Poxa! Só em Austin mesmo para gente tomar café!”.

Concordo que é uma circunstância legal poder retomar contato com conterrâneos num ambiente mais aprazível e estimulante do que na correria da terra-natal. Mas é também um lugar propício para conhecer gente de outras culturas e universos, o que pode ser igualmente ou mais produtivo e inspirador.

Envolvimento com Austin
Todos com quem havia conversado antes de viajar ressaltaram o abraço que a cidade dá no evento e recebe de volta. Mas nada como estar lá para realmente entender do que se trata. No decorrer de uma semana falei com dezenas e dezenas de alstonitas, todos amáveis e receptivos – ok, exceto por um taxista, o que mesmo assim é um nível desprezível de antipatia.

Na verdade, pelo menos metade deles não nasceram na cidade, mas se mudaram para lá de olho em seu crescimento e eram, assim como seus naturais, interessados e curiosos (ainda que o interlocutor tivesse dificuldades em entender o inglês texano repleto de “erres” e longas vogais cantadas como numa velha canção country).

O fato de o festival – e seus outros eventos, como Fórmula 1 – injetarem muito dinheiro na cidade ajuda a explicar essa grande empatia, mas não só. O SXSW foi capaz de promover, desde seu início, e manter com seu crescimento e progresso, um ambiente de democracia cultural no qual a comunidade tem papel protagonista. Os moradores interessados podem ser público, fã, colaborador, voluntário. Ou simplesmente observar e entender os benefícios que o evento traz à comunidade. Isso muda tudo.

Organização
Como se trata de um evento gigantesco, é fundamental que tudo funcione bem. E até onde vi, tudo correu tranquilamente no SXSW. Claro, paus técnicos acontecem. Mas quase todos os voluntários e profissionais estavam bem informados e solícitos e quase nenhum painel atrasou (exceção aos posteriores ao de Obama, que se estendeu mais do que o previsto).

O credenciamento foi tranquilo, as filas funcionaram bem, o transporte também. Apesar de poder ser desconfortável não ter wi-fi na rua, quase todos os ambientes internos tinham uma rede aberta ou facilmente acessível. Sempre com velocidade boa e quase sem solavancos. Isso tudo parece o mínimo a ser esperado, mas como falamos de pelo menos 1.200 atrações – se contado somente o Interactive – mais um trade show, workshops e uma centena de atividades paralelas, é muito louvável.

O ponto fraco: muito americanóide
A julgar pela representatividade do público nascido nos Estados Unidos (22 mil registrados), há de se considerar que o SXSW deveria se lixar para qualquer outra nacionalidade. Mas o festival se tornou um evento global e reflete pouco dos 6,6 mil estrangeiros que estiveram prestigiando a área de Interactive em 2016.

A cultura empreendedora e o poder econômico americano realmente coloca o país na vanguarda tecnológica e em muitas outras frentes. Mas parece que a curadoria se esquece, muitas vezes, de olhar ao redor para valorizar o que de interessante e inspirador também está em produção em outros mercados.

Não é dor-de-cotovelo, mas vem a calhar lembrar da palestra das sócias do Think Olga. Quando as brasileiras terminaram e abriram o microfone para perguntas, uma americana destacou o quão fazia bem ouvir, finalmente, um painel com conteúdo relevante e promovido por empresa de um lugar que não os Estados Unidos.

Tudo bem que houve meia dúzia de painéis brasileiros, mas não digo que necessariamente nós deveríamos ter maior representação. Me refiro até mesmo a países com muitos inscritos, como alemães, ingleses, japoneses, australianos, suecos, holandeses etc, ou até cases inesperados da Turquia, do Mali, do Marrocos… Por quê não? Parece que há uma interpretação de que as áreas do trade show dedicadas a startups são o suficiente. Mas eu discordo.

Uma reflexão: muita dispersão
Essa é polêmica. Destacam que o melhor do festival é, justamente, a pluralidade de coisas que ocorrem. Com o que concordo, de um ponto de vista geral. Mas às vezes me perguntava se não havia uma epopeia exagerada de marcas e ativações, numa busca por atenção meio despropositada e sem interesse legítimo de propor conteúdo ao festival.

Esse afã ajudou a construir a cultura das festas, com bebida e comida grátis. O que é muito legal para, como disse linhas antes, promover networking e até relaxar após uma avassaladora maratona de cinco ou seis painéis. Só me pergunto se o aumento progressivo dessa cultura não criou um monstrinho: o visitante que vai lá para encher a cara e se divertir, promovendo um círculo vicioso que pouco – ou nada – tem a ver com o espírito de compartilhamento de ideias e experiências do festival.

Pode ser picuinha minha. Talvez seja mesmo. Mas o próprio SXSW reservou um workshop no domingo de manhã para discutir assuntos tecnológicos sem a intervenção dos bêbados do sábado à noite, esgotados em sua ressaca. Houve até, neste ano, um painel para discutir como saborear cerveja e uísque de maneira civilizada. É engraçado, mas não é piada, como quase tudo no festival. Porém, parece haver uma dispersão enorme, muitas vezes alimentada pelo próprio público, o que acaba distraindo para o que realmente importa: a conexão de ideias.

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