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A modinha do VR

Acho que deviam mudar o nome de SXSW pra SXVR.


16 de março de 2017 - 11h47

Acho que deviam mudar o nome de SXSW pra SXVR.

Em cada esquina do SXSW eu encontro alguma experiência com Oculus, HTC ou outro dispositivo VR, seja pra um game ou um filme ou uma narrativa de imersão.

No hotel JW Marriot tem uma sala dedicada a experiências VR, que vive lotada.

Será uma moda, tipo a das televisões 3D?

Será que daqui a alguns anos vamos olhar pra trás e achar jurássico esse monte de gente com essas geringonças bizarras amarradas na cara mexendo a cabeça pra lá e pra cá – às vezes caindo de cara no chão – parecendo um monte de zumbis-robôs?

Eu não consigo responder isso ainda, mas o que posso dizer é: vejo muita gente falando de VR, mas pouca gente falando de áudio pro VR.

E das muitas experiências VR que participei o som não me chamou a atenção em quase nenhuma.

Uma das poucas mesas de audio pra VR que foram apresentadas tinha como tema o video clipe “Does Not Exist” do fenômeno do beatbox Reeps One, criado para ser uma obra de arte imersiva (link no final do texto).

Muito foda. Mesmo.

(Assistam de fone de ouvidos num celular que possibilite VR).

E entre os componentes dessa mesa estava Scott Gershin, um dos melhores sound designers da atualidade em Hollywood.

O cara fez sound design pro Beleza Americana, Pacific Rim, Hell Boy, Last of Us (sim, o jogo fodástico de PS) entre muitos e muitos outros filmes e games.

Dos quatro palestrantes presentes ele foi o que falou as coisas mais pertinentes, e que mais me chamaram atenção.

Uma das coisas que ele falou foi: estamos acostumados a encarar o som como parte da “pós-produção” no workflow de um filme. A equipe filma, edita e só depois de editado o filme vai pro som, onde são feitos os foleys, ambiências etc.

Mas no processo de VR o som tem outra dimensão. Ele deixa de ser PÓS, e passa a ser PRÉ-produção.

Por que?

Porque o som é uma ferramenta poderosa na narrativa VR, podendo até ser uma interface de navegação.

Vou tentar explicar…

Quando assistimos um filme no cinema a nossa atenção está focada em nossa frente, na tela, e tudo que é feito de som e música é feito pra se adequar a essa perspectiva.

Pra quem não sabe como funciona uma mixagem 5.1 – padrão no cinema mundial hoje – vou tentar ilustrar: temos 3 caixas de som na frente (esquerda, central e direita) e mais 2 caixas de som atrás (surround esquerdo e surround direito). Essas 3+2 caixas formas o “5” do “5.1”. O “1” é o sub-woofer, ou a caixa de sub-graves.

Todo o diálogo de um filme é mixado na caixa central, com algumas raras exceções pra alguma fala que esteja fora de plano, que pode ser jogada pra esquerda ou direita dependendo da posição de quem falou.

Virtualmente 100% do diálogo de um filme está fixo no centro, o que ajuda a “colar” o áudio da voz que sai das caixas com o movimento da boca dos atores.

No VR não temos essa configuração: o som de cada coisa tem que estar posicionado naquela coisa.

Se temos um cachorro latindo, o “au au” tem que estar vindo da direção do cachorro, e se ele se movimenta o som se move junto.

Esse é um conceito conhecido de quem joga video-games, pois num video-game se você se aproxima de uma cachoeira o som dela aumenta e diminui dependendo da sua posição em relação a fonte de som.

Sendo assim, numa narrativa VR você pode usar uma fala pra chamar a atenção do espectador, sugerindo pra onde ele deva olhar.

E isso vai influenciar o roteiro do filme, vai influenciar onde e como os atores vão agir e interagir.

O som passa a fazer parte do roteiro, e pode ajudar a solucionar questões de narrativa.

No caso do clipe citado, do Reeps One, a narrativa foi definida pelo som. As decisões de locação foram definidas pelo som.

Quando ele tá dentro de um espaço fechado o som se comporta de um jeito, e o Reeps faz um tipo de barulho com a boca.

Quando ele vai pra um galpão reverberante, o fraseado musical dele muda completamente pra usufruir das características acústicas daquele ambiente.

Um pouco como esse vídeo do baterista que toca em um monte de lugares diferentes (infelizmente não é VR):

Mas pra isso acontecer é necessário envolver a equipe de som logo cedo no processo. Muito cedo mesmo.

Outra coisa que o Scott, meu ídalo, falou foi que a tecnologia Ambisonics é coisa de mané.

Ele não disse exatamente mané, mas disse que todo esse oba oba em cima do Ambisonics não faz sentido.

Talvez faça num projeto de VR com um foco mais documental, onde o som precisa ser fiel e realista. Mas mesmo assim ele nos lembrou que o som da vida real é chato pra cacete – além de ruidoso.

Você pode fazer um teste com seu telefone pra comprovar isso: para de ler esse texto agora e coloca seu telefone pra gravar, com o microfone interno mesmo – aquele que usa pra ditar aquelas idéias genias que você tem depois de “tomar banho”.

Ao mesmo tempo em que grava – sem fones – preste atenção no som a sua volta. Escreva o que você está ouvindo, o mais detalhadamente possível.

Agora ouve o que você gravou. Uma merda né?

Pois é: o Ambisonics não é uma merda, mas ele capta exatamente o que estamos ouvindo da perspectiva em que está posicionado, de uma forma multi direcional.

Se um ator está a 20 metros de distância do microfone não vamos ouvir o que está falando com muita clareza, e se a cena se passar numa rua, não vamos ouvir nada, só os carros passando.

Se tem um computador ou um ar condicionado na sala você vai ter um ruído contínuo esmerdeando seu som.

Sem falar no cachorro, ou na moto ou no busão freando na rua.

O “som de Hollywood” ao qual estamos acostumados em filmes, séries e games, é um som construído, projetado e mixado pra soar daquele jeito.

Então o Scott Gershin disse que quando trabalha numa narrativa VR ele prefere ter os sons todos separados pra poder manipulá-los depois – exatamente como já fazemos no cinema e na publicidade.

Ou seja: se você tiver 10 atores em cena, cada um vai ter um microfone de lapela pra depois ser processado de acordo com a narrativa e a posição de cada um no cenário VR.

E todos os outros sons serão recriados. O que muda do que já fazemos hoje é o processo de mixagem.

Foi bom ouvir isso de um cara tarimbado e experiente como ele, principalmente porque a maioria das pessoas trabalhando com som VR que tenho visto não tem idéia do que estão fazendo. E ficam vendendo soluções mágicas e revolucionárias.

Duas horas depois fomos na palestra dos queridos Ricardo Laganaro e Quico Meirelles – sobre VR no Brasil – e o que eles falaram teve muita ressonância com o que eu estava matutando depois de sair da palestra do Scott Gershin.

O VR é uma revolução de narrativa e tecnologia que está acontecendo agora, e por consequência se formando agora, e a gente tá tendo o privilégio de participar dessa formação, ao invés de pegar um processo pronto e mastigado como fizemos com outras mídias (a linguagem, o workflow e os macetes do cinema e TV foram definidos décadas antes do Brasil se tornar um país produtor de conteúdo relevante).

Americano gosta de cagar regra, e há algum tempo estão elencando os mandamentos do VR como se fossem leis pétreas.

O Laganaro falou que eles meio que ignoraram essas regras e resolveram experimentar, testar e chegar às próprias conclusões.

E os resultados dessas experimentações tão aí: o filme de entrada do Museu do Amanhã no Rio, o Clipe da Ivete Sangalo em VR com 18M de views, o filme time-lapse pra MasterCard em cima do Cristo com 34M de views, o do Google na favela, a instalação do domo da Apex na principal esquina do SXSW 2017 e o filme “Step To The Line”, selecionado pro festival de Tribeca 2017 (com trilha da LOUD!!! \o/).

A conclusão que tiro desses conselhos do Scott e das experiências que o Laganaro e o Quico contaram é: Não existe regra, existe narrativa, e os novos formatos que vão surgindo estão se moldando a medida em que são usados de acordo com a história que queremos contar.

Temos que usar a tecnologia a nosso favor, e construir essas narrativas da forma mais eficiente ou inspiradora possível.

O workflow deixou de ser linear, e passou a ser multi-direcional, e muitas decisões do processo não serão tomadas só pelo roteiro, mas pelas possibilidades tecnológicas e narrativas.

Quanto mais cedo todo mundo – incluindo o som – estiver envolvido no processo criativo melhor vai ser o resultado.

Links para alguns dos filmes citados no texto:

“Does Not Exist” Reeps One

Visão do Cristo Redentor 360º da MasterCard

 

 

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