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Na picadilha do Colimério


17 de março de 2017 - 10h39

Se você sabe quem é Colimério, esse texto foi feito pra você.

Você, que tem pensado em marcar ortopedista pra ver essa dor no joelho.

Você, que se vê num reflexo na fachada de um prédio e pensa “nossa, que tiozinho simpático!… Opa! Pérai!… Sou eu!”.

Você, que ODEIA mensagem de voz no WhatsApp.

Você, que não entende como podem classificar Nirvana e Beatles como “Classic Rock”.

Você, que vai entender que não estou reclamando, mas simplesmente atestando fatos.

Você, que não sabe ao certo o significado de “picadilha”.

Poizé velhinho…

(ou velhinha…)

Você tá véio como eu.

E pra dar uma disfarçada na velhice eu roubei a palavra picadilha do vocabulário do meu irmão mais novo Leandro – mais conhecido por aí como Emicida, o matador de MCs.

O Emicida não é meu irmão, claro, mas temos uma relação fraternal.

Relação essa coroada numa pequena turnê que fizemos em Nova Iorque e Austin, há exatos 4 anos.

Viemos tocar no SXSW 2013 e foi minha primeira vez no festival.

Fiquei doido com tanta coisa, tanta banda, tanto show, tanta gente.

Exatamente como o Colimério.

Se você não sabe quem é Colimério vou tentar ajudar: é aquele urso gordinho e atrapalhado da Disney que fica todo afobado quando o guarda florestal está prestes a dar-lhe um enquadro.

Não, não é o Zé Colméia.

Se você assistia “Disneylândia” na Globo no domingo de manhã, com certeza sabe quem é.

Uma das gags recorrentes e mais marcantes do Colimério é quando ele tem muitas opções, e fica todo estabanado, tentando encontrar uma solução.

Foi meio minha sensação quando vim pro SXSW 2013.

Tinha line check de tarde (tipo uma passagem de som tosca), voltava pra casa, se arrumava pro show, ia tocar, desmontava tudo, punha na van e corria pra um show de outra banda, ficava na fila e não entrava porque o pico tava lotado.

Foi isso por 4 dias seguidos.

Bem frustrante.

Por outro lado nossos shows foram legais, e uma coisa compensou a outra.

Mas no meio dessa loucura rolou um momento mágico, daqueles que você guarda com muito carinho.

No último dia tínhamos um “showcase”, que é tipo um show dentro do Convention Center, numa sala meio inócua, com umas pessoas sentadas pra te “avaliar”.

Um negócio meio bizarrão.

Você leva seu equipamento pra sala e fica do lado do palco, meio esperando, meio se preparando, meio assistindo os outros shows.

Logo antes do nosso showcase subiu no palco um sueco chamado Bernhoft. Jarle Bernhoft.

Um maluco de óculos, visu hipster e um carisma peculiar.

Sentou no palco, rodeado de instrumentos e começou a bater palma e cantar sozinho, gravando isso e loopando com um aparelho conhecido como loop station.

(Tem toda uma “cena” de loopstation já rolando há anos: artistas solo que se gravam e se loopam criando camadas diferentes e compondo canções inteiras assim. Geralmente é muito chato).

Bom… O cara simplesmente JANTOU o loopstation.

Não só o filha da mãe era fera na parte técnica do lance – na habilidade em lidar com a tecnologia – mas também sabia cantar pra cacete e tocava com um puta suíngue, baixo, violão, piano – sem falar na composição.

Depois confere o video dele fazendo a música que eu ouvi na época (link no final do texto).

Eu não fazia ideia que esse maluco ia tocar, e virei fanzoca incondicional.

No final sai do SXSW 2013 com essa sensação de dever cumprido, de ter descoberto algo novo, de ter valido a pena.

4 anos se passaram e cá estou novamente, dessa vez como expectador.

Não vim tocar, portanto estou livre, leve e solto pra fazer o que quiser, assistir o show que quiser, entrar e sair da palestra que quiser.

Ah… Como a vida é bela!

Vou participar de todas palestras e workshops.

Vou visitar todas as experiências patrocinadas pelas marcas.

Vou com certeza descobrir inúmeros novos artistas geniais e enriquecer meu repertório hipster pra esbanjar nas reuniões de briefing e PPMs.

Ok. Chega de sarcasmo.

No primeiro dia fiquei como o Colimério, e comecei a sofrer com a paúra de não conseguir ir em tudo, ver tudo, absorver tudo… ái meo dêos!!!

Na manhã seguinte eu desencanei e deixei a vida me levar: deu pra assistir? Legal! Não deu? Que pena.

Mas confesso que fiquei com aquela coceira de encontrar aquela joia rara, aquela pérola, aquele novo Bernhoft ou Bernhofta que iria me fascinar com sua genialidade.

Dei uma fuçada e descobri uma banda japonesa chamada Satellite Young.

Japonês é foda. Adoro. Invariavelmente os caras acertam. Não tem como errar.

O show ia ser as 14:30 num palco do Showcase, similar ao que descobri o Bernhoft.

Meu… Muita coincidência. Coisa de alinhamento planetário, sei lá… “É pra ser”, tá ligado?

Fui lá e ainda arrastei umas sortudas comigo.

Bom… É óbvio que depois dessa construção narrativa toda o resultado foi…?

Patético.

Imagina um cruzamento de Trio Los Angeles com Daft Punk, tocando música tema de vídeo de aeróbica dos anos 80.

Parece até legal, né?

Eu adoro esse tipo de coisa!

(Quem me conhece mesmo tá ligado no Ka-Bliss: um projeto anos 80 que eu comecei há um tempo atrás pra exorcizar esses fantasmas de polainas e pintura facial que carrego na alma)

No release do Satellite Young é citada uma colaboração com o Mitch Murder, que é o lóki que fez a trilha do Kung Fury.

Cafona eighties synth-pop neon. Um mito. Eu adoro esse cara.

Mas o Satellite Young não rolou.

Não era nem cafona e nem cool.

Ficou numa vala comum chamada incompetência.

Vocalista desafinada. Mistura de elementos anos 80 com anos 90. Uma paçoca azeda.

Saí no meio.

E desencanei.

Fui dar um rolê pra esquecer.

Tem mais um dia de festival e depois vou embora.

Quem sabe?

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