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DR da hiperconectividade

No modelo anterior, era claro quem ia trabalhar e quem ficava em casa tomando conta da família


12 de março de 2018 - 12h00

No primeiro dia do South by Southwest (SXSW) de 2018, a psicoterapeuta belga, Esther Perel, conduziu uma audiência de aproximadamente 3000 pessoas por uma reflexão sobre os relacionamentos no cenário contemporâneo. Parece incoerência, mas ao embarcarmos numa era de hiperconectividade tecnológica, nos tornamos cada vez mais desconectados como seres humanos.

Provocando a plateia entorpecida pelas aflições de um mundo em transformação, a primeira key speaker desta edição do festival explorou a tensão entre a necessidade humana por segurança e por liberdade. Nascemos com o desejo tanto pelo seguro como pela aventura, pela exploração.

Mas o que se passa? Simplesmente desaprendemos como nos relacionamos? Não é tão simples assim, as relações atuais sofreram uma grande mudança nos últimos tempos. Ficamos sem parâmetros, não há passo a passo ou modelo para lidar com as diferentes configurações do mundo atual. As regras estabelecidas pelas gerações anteriores já não fazem sentido, regras estas sedimentadas em séculos de repetição.

(Crédito: reprodução/Pexels)

No modelo anterior, era claro quem ia trabalhar e quem ficava em casa tomando conta da família, quem acordaria a noite para alimentar o bebê, como o marido deveria tratar a esposa e os filhos e como estes deveriam responder. Mas o cenário mudou. Mudou com o anticoncepcional, com os direitos das mulheres, com a mulher ganhando um papel social. Mudou com a diversidade de relações de gênero. As combinações são infindáveis e o modus operandi (se é que algum dia ele voltará a existir) não está mapeado.

Já não vivemos numa vila, onde devido à proximidade era possível uma visão mais realística do outro, conhecíamos os anseios coletivos e as doenças sociais. Agora a grama do vizinho está irritantemente mais verde do que em qualquer outro momento da história. Tudo isso porque as Fake News não se restringem às manchetes políticas, invadiram também o universo das relações, as redes sociais estão repletas de amores inventados. Estamos rodeados de histórias de ficção, felicidade estampada em imagens e vídeos, mas ninguém sabe o que passa realmente na vida destes casais.

E para melhorar (#soquenao) nesta busca incessante por prazer e conexão, já não temos 6 oportunidades de relacionamento, temos centenas ou até milhares. Que enorme desafio é vivermos juntos num mundo onde temos excesso de oportunidades!

Antes tínhamos uma maior sensação de segurança e uma menor liberdade. Agora a situação inverteu. Nos habituamos a uma quantidade de liberdade sem precedentes, mas nunca nos sentimos tão sozinhos. O mais duro foi ouvir da Dra Perel: “Nós estamos juntos o suficiente para não nos sentirmos sozinhos, mas o suficiente para não nos comprometermos.” E então ela convidou a reflexão: “Como você tem reduzido o ritmo de suas relações? O que você tem feito para se desconectar das outras pessoas? Quando foi a última vez que você se esforçou para ser um parceiro melhor?”

A dificuldade de relacionamento não se restringe ao âmbito das relações amorosas. Há suposição demais na nossa comunicação, com tantas mudanças é bastante plausível que o outro não tenha qualquer ideia do que você está pensando.

Afinal, tem certas coisas que temos que dizer. Tem certas coisas que devemos estar abertos para ouvir. Precisamos ter conversas corajosas, muitas vezes desconfortáveis. Precisamos ajudar as mulheres a encontrarem o seu poder e realizarem escolhas. Da mesma forma, que precisamos ajudar os homens a se conectarem com os seus sentimentos, encontrarem a sua vulnerabilidade.

Temos falado tanto de inteligência artificial com suas bias e bots, temos falado de um futuro nem tão distante de colaboração entre homens e máquinas, mas não temos falado dos nossos relacionamentos. É hora de desligar este celular e retomar esta relação, é hora de rever a maneira como nos comunicamos e nos relacionamos com o parceiro, colega, familiar, amigo, conhecido e até o desconhecido. Afinal, como Esther Perel arrematou em sua inesquecível apresentação: “Relações são a sua história. Escreva-as bem. Edite-as frequentemente”.

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