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Impacto

As sessões sobre inteligência artificial, robótica, impressoras 3D vinham sempre acompanhadas de discussões sobre o impacto que essas inovações terão sobre o trabalho humano


19 de março de 2018 - 10h17

Hoje um amigo me pediu para gravar um áudio de 3 minutos sobre o que mais valeu à pena no SXSW 2018, na minha opinião. Ele pediu o mesmo a algumas outras pessoas que conhece e pretende compilar tudo e distribuir para os amigos depois. Pra mim, foi um ótimo exercício pra eu refletir sobre o que mais me marcou. E foi incrivelmente rápido que eu cheguei a uma conclusão.

O que mais me chamou à atenção no festival desse ano foi a questão da responsabilidade social, do impacto social. As sessões sobre inteligência artificial, robótica, impressoras 3D vinham sempre acompanhadas de discussões sobre o impacto que essas inovações terão sobre o trabalho humano. Há talvez consenso que, em geral, as pessoas que assistem ao festival não serão as primeiras afetadas e sim uma massa de milhões de trabalhadores braçais, trabalhadores de fábricas, de confecções, trabalhadores domésticos, que executam mais tarefas manuais, que intelectuais. E que são os mais desfavorecidos socialmente, os que tem menos acesso à educação de qualidade, ou seja, que tem menor chance de se reinventarem antes da chegada das inovações que revolucionarão todas as indústrias.

Por outro lado, inovações que podem melhorar a vida das pessoas, como a engenharia genética acabando com doenças de origem genética e, eventualmente, criando seres humanos mais inteligentes, rápidos e fortes ou toda a questão da tecnologia na saúde, ajudando a prever e sanar doenças com muito mais eficiência, provavelmente tardarão bem mais tempo em chegar às pessoas de menor renda no mundo e contribuirão para um agravamento no gap social. E é por isso que a comunidade criativa tem quase que a obrigação moral de usar a sua capacidade de pensar e inovar para ajudar a quem mais precisa. Mentes brilhantes que criam e inovam trabalhando também para mitigar os efeitos negativos de suas inovações sobre as camadas mais desfavorecidas, ao mesmo tempo em que buscam fazer com que suas inovações cheguem o mais rapidamente àqueles que mais precisam delas para melhorarem as suas vidas.

Outro assunto que voltou a estar presente é o do impacto das mudanças climáticas. Foi lembrado mais de uma vez no festival que este é o principal fator para os êxodos de pessoas nos dias atuais, que geram os enormes contingentes de refugiados no mundo e produzem tantas histórias tristes de morte, abandono e desilusão de seres humanos. Bruce Sterling, figurinha carimbada no SXSW e conhecido pelo seu humor ácido e comentários sarcásticos, brincou com o fato de pessoas de Austin se verem seguras e distantes do impacto das mudanças climáticas, quando no ano passado em Houston, cidade que fica a 230 km da capital do Texas, choveu em uma semana o que normalmente chove em um ano e que 100 mil pessoas perderam as suas casas.

Em um ano marcado pela presença de muitos políticos no evento, ouviu-se de boa parte deles a preocupação com as questões de impacto social. Bernie Sanders falou sobre a importância da mobilização política para gerar transformação. Leo Varadkar sobre questões climáticas e ações de impacto social. Sadiq Khan trouxe sua preocupação com a falta de controle sobre a disseminação do ódio nas plataformas sociais. E todos eles buscando incentivar a comunidade criativa a se tornar agente relevante e ativo dessas causas.

E ontem, em um painel improvisado e organizado de última hora por alguns brasileiros após a triste notícia do violento assassinato de Marielle Franco no Rio de Janeiro, debateu-se mais uma vez sobre racismo, sexismo e repressão política, dessa vez em português e com mais perguntas que respostas. Um grupo de brasileiros reunidos, refletindo sobre o impacto ainda latente do crime, trazendo mais uma vez à tona nossas enormes injustiças sociais, nossa instabilidade política, abrindo nossas chagas ainda frescas, revivendo fantasmas de um passado recente de repressão e falta de liberdades individuais no nosso país. Aqui sentimos no ombro o peso da nossa própria responsabilidade enquanto comunidade criativa brasileira de usar as nossas capacidades para causar impacto sobre a nossa sociedade. De ajudar, com nossas inovações, a melhorar a vida das pessoas do nosso país (e porque não do mundo) e garantindo às futuras gerações um mundo melhor em todos os sentidos.

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