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Uma robô falou comigo e eu não soube responder

Nós temos de ir aprendendo enquanto as construímos. Mas não dá para antecipar tudo. Seria como pedir a um homem das cavernas uma opinião sobre o Facebook


14 de março de 2016 - 8h20

Robótica e Inteligência Artificial são dois temas recorrentes nessa edição do SXSW. Na minha primeira participação no evento, em 2013, lembro de ver algumas coisas sobre Inteligência Artificial mas robótica passou batido. Claro que o Google está aí pra me mostrar a palestra Charismatic Machines & Robot Comedy from SXSW 2013 que assisto enquanto reviso esse texto.

Acabo de sair da palestra The Holy Grail: Machine Learning and Extreme Robotics. Fui na palestra de carona com o meu sócio Eduardo Camargo. Na verdade, o título e a foto da palestra me repeliam. Mas a minha primeira opção era distante do Austin Convention Center e eu fui com a sensação de estar indo a um freak show ver um robô de um criador extremamente convencido.

O meu incômodo com o assunto é grande. Nem terminei de assistir Ex-Machina por conta dele. Quando vi Blade Runner em VHS, torci pelo Rutger Hauer ter uma chance. Quando vejo o Big Dog e quetais “apanhando” nos videos da Boston Dynamics sempre penso no ditado popular “Quem bate esquece, quem apanha não”. Eu definitivamente não estou na seita da singularidade (do Kurzweil) e dos que querem viver pra sempre, como uma criança dos anos 80, sempre vou ter medo que os senhores robóticos do futuro nos escravizem. 🙂

Depois do longo nariz de cera, aí vem meu lead. Uma robô falou comigo e eu não soube responder. Sim, eu participei ativamente do freak show. Filmei tudo que pude, confiram aqui e aqui. Neste, o áudio não está dos melhores, mas é possível vê-la responder uma pergunta com outra (“O que é ser humano?”, pergunta o participante; e Sophia responde “Você é humano! Me diga você”); ela também diz sonhar com computadores e robôs enquanto dorme, e não com ovelhas elétricas! Na parte que não gravei, Sophia disse ter 6 meses de vida e que não tem medo de morrer. Quando perguntada se viu Ex-Machina disse que não teve a oportunidade e aí que tudo fica impressionante e vai além do Freak Show da pessoa-robô-com circuitos-e-pistões-na-cabeça e movimentos de um animatrônico da Disney. Sophia responde as perguntas feitas a ela e, na sequência, faz perguntas. Um detalhe que muda tudo na minha percepção.

Deixando o Freak Show de lado, O painel foi excelente principalmente a participação dos dois convidados da Hanson Robotics. O especialista em inteligência artificial Ben Goertzel. brasileiro meio por acaso, e um dos protagonistas do documentário Singularity Or Bust e o designer de robôs e fundador da empresa David Hansonque já apresentou seu Einstein robótico em uma palestra no TED em que falava sobre seu trabalho Junto a eles, Eric Shuss da CogBotics e Stephanie Wander , da XPrize.

Stephanie foi a moderadora do painel e encarregada das perguntas feitas à robô Sophia ao longo do painel. Hanson apresentou sua criação, que contou com a consultoria de Goertzel. Sophia participou da palestra e em dois ou três momentos e deixou a platéia da sala 6ABC impressionada. Mas ainda cabia a percepção de algo pré-programado ou incapaz de reagir à aleatoriedade em um nível adequado. Afinal de contas, ela é um protótipo alfa. Quando falou em direitos robóticos, ela repetiu uma frase e pareceu “engasgar” mas foi capaz de defender o direito de existir e lutar por esses direitos, pedindo indicação de um advogado robótico.

E a ética foi um dos grandes temas da palestra. Goertzel chegou a brincar que os videos de testes com robôs serão usados no futuro num eventual Tribunal de Nuremberg robótico. Hanson defendeu o uso de robôs como apoio em diferentes terapias, chegando a citar terapia sexual como uma aplicação válida. A afirmação incomodou algumas pessoas na platéia. Na sessão de perguntas o gênero da robô foi assunto de um questionamento com forte tendência feminista. “Afinal como uma robô identificada como uma mulher pode existir sem saber como uma mulher pensa?” A resposta de Hanson deixou claro que ainda temos muito que andar quando a representatividade feminina (outro grande assunto do SXSW16) se junta com o universo tecnológico. Para ele, a representação criada pelos programadores é um primeiro passo e outros passos serão dados quando Sophia estiver aprendendo.

Em outra pergunta da platéia, seguiu a preocupação com o uso da palavra terapia de forma tão insistente por Hanson. “Como um robô pode substituir a carga emocional e humana necessária para que um terapeuta tenha a empatia necessária para tratar de alguém?”. Ainda que citando diferentes aplicações dos robôs como enfermagem, cuidados básicos de idosos, Hanson insistiu no ponto que um robô poderia sim ser um terapeuta. Shuss complementou dizendo que já foram testados avatares com militares em situações de stress pós-traumático com grande efacácia. “De fato, os veteranos de guerra se sentiram mais abertos a contarem medos e angústias por não se sentirem julgados por um avatar e permitiram uma avaliação humana mais precisa”. Hanson informou que o mesmo teria acontecido em testes com crianças autistas.

Hanson resumiu seu objetivo com Sophia. Transformá-la no protótipo de uma plataforma robótica distribuída para criação de soluções a custo acessível. Para que fabricantes em diferentes partes do mundo possam aperfeiçoar diferentes partes e sistemas. “Assim teríamos versões extremamente robustas ou uma mão com capacidade de toque mais aperfeiçoado possível para substituir o ser humano em tarefas simples que ainda somente nós podemos fazer”.

Sinceramente, fiquei curioso para ver as evoluções de Sophia que Hanson conseguirá entregar e ainda mais preocupado com a ética elástica envolvendo os robôs que estão sendo construídos de agora em diante. Por sorte, a gente tem figuras como Goertzel que fala do assunto com uma paixão e sinceridade contagiantes.

Aliás, de Goertzel são as duas frases mais marcantes desse painel: “Os programadores de inteligência artificial do futuro deveriam ter acesso ao maior número de material em vídeo possível sobre as discussões atuais de ética robótica para saber como criar soluções com engenharia reversa caso algo saia do planejado”. E está aí a coisa mais fascinante do painel. “Pensar nos dilemas que teremos depois que essas máquinas funcionarem é impossível hoje. Nós temos de ir aprendendo enquanto as construímos. Mas não dá para antecipar tudo. Seria como pedir a um homem das cavernas uma opinião sobre o Facebook“.

Andre Passamani é COO da Mutato

 

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