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Atordoado

Corri de volta para escrever sobre minha experiência, com medo de que se eu tomasse uma só cerveja essa sensação iria descer pelo ralo do banheiro daqueles pubs úmidos e barulhentos


11 de março de 2017 - 15h07

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Atordoado. É assim que eu me sinto depois de um dia completo de SXSW.

Comecei minha primeira participação com um painel do Rotten Tomatoes, que foi divertidíssimo, diga-se de passagem. O nome do painel era ‘Your Opinion Sucks: Rotten Tomatoes Critics vs. Fans’. Apesar de eu ter morado em Los Angeles por dez anos, nunca deixo de admirar a paixão que os Americanos têm por cinema. Pra quem não conhece, o Rotten Tomatoes é um site que compila críticas variadas de todos os filmes e séries de TV existentes, tanto de críticos profissionais como do público em geral. Ou o filme é ‘Fresh’ ou é ‘’Rotten’, não há meio termo. Eu já sabia que seria divertido, mas nada me preparou para a bagunça que estava por vir.

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Pessoas da plateia eram convidadas para dar opiniões (propositalmente) polêmicas sobre filmes, e essas opiniões eram dissecadas quase que comicamente por um painel de críticos convidados. A host era a Grae Drake, editora-chefe do site, armada com seu cabelo rosa e um senso de humor afiadíssimo. Parecia mais um show de stand-up comedy do que um painel de discussão sobre filmes! O público era convidado a levantar seus tomates podres ou frescos e mostrar suas opiniões, vaiar, dar risada e twittar comentários sarcásticos que eram postados em um telão estrategicamente localizado atrás do convidado. Ninguém ali é crítico de cinema sério, só se falou de filmes de herói e de comédias românticas como “You’ve Got Mail’ com a Meg Ryan e o Tom Hanks, que eu pessoalmente considero ultra-rotten (eu lembro que dormi tanto durante o filme que cheguei a roncar, para o desespero da minha então namorada). Bem que eu podia ter contado essa história, acho que é tipo de argumento que poria um ponto final na questão.

Saí correndo para ser entrevistado por um site chamado ‘Youngry: Young in Spirit, Hungry in Ambition’. O nome por si só já é espetacular, mas eu levei bastante a sério pois é minha primeira entrevista para um veículo de imprensa norte-americano, e eu me senti super cool falando com um millennial que se mostrou verdadeiramente empolgado com o que eu tinha a dizer. Me peguei dando conselhos de vida e de carreira para um entrevistador que tem provavelmente a metade da minha idade, e ouvi dele que a entrevista foi um sucesso. Ele me pediu pra indicar um livro e eu me peguei (condescendentemente, confesso) tentando pensar em algo bem fácil de ler. Sugerí Siddhartha. Verdade seja dita, a gente adora criticar os millennials, mas se derrete quando é elogiado por eles, não é mesmo?andrefiori_5

Mal tive tempo de agradecer e ouvir agradecimentos do meu jovem entrevistador e saí correndo pra um painel chamado ‘Humans, Robots + Microbes: the Challenges of Mars’. Engenheiros e pesquisadores da Nasa falaram sobre as dificuldades da colonização de Marte e sobre a necessidade de se levar em conta as trocas microbiais que inevitavelmente ocorrem com esse tipo de exploração. Falaram também sobre a necessidade de se trazer artistas para o processo de construção dos robôs humanóides e dos veículos de exploração. Afinal de contas esses robôs e veículos serão os companheiros dos astronautas nessas viagens, e têm que ser humanizados. Imaginem vocês conversar com uma torradeira gigante durante cinco anos! A premissa me fez lembrar do robô cínico e dissimulado que aprontava malandramente para cima do Dr. Smith em Perdidos no Espaço. Quem disse que um robô não pode ter senso de humor? Minha divagação filosófico-comediante foi interrompida quando a platéia foi chamada a fazer perguntas, e logo de cara perguntaram o óbvio: por que, afinal de contas, devemos explorar Marte? Pergunta simples mas muito pertinente, que evocou explicações muito interessantes e variadas dos membros do painel. Fiquei divagando de novo, dessa vez sobre nossa obsessão com a conquista do espaço. Saí da sala feliz da vida com meu adesivo da Nasa, ponderando a sugestão de um membro do painel de que Cristóvão Colombo deve ter enfrentado o mesmo tipo de ceticismo à época de sua viagem de descoberta das Américas. Viagem essa que, diga-se de passagem, foi feita em condições muito mais precárias do que as enfrentadas pelos astronautas da Nasa. Touché, my friend.

Corri para enfrentar uma fila de quatro quarteirões só para assistir à estreia do filme novo do Terrence Malick, chamado ‘Song to Song’. O filme se passa justamente em Austin, e a história gira em torno de um casal de músicos (Ryan Gosling e Rooney Mara) e seus agregados, que passam o filme pulando de relacionamento em relacionamento, se degradando e brigando, trepando e amando, com aquela luz maravilhosa dos filmes do Terrence Malick iluminando tudo. O sol está sempre um palmo acima da linha do horizonte, tingindo a tela de amarelo alaranjado e imbuindo o filme daquela sensação melancólica de que logo acabará o dia, a festa, o amor, o tesão e o sucesso dos personagens principais. Ou até mesmo a própria vida deles. Jump-cuts e câmeras desconexas se justapõe a uma narrativa etérea e poética, sustentada por voice-overs sublimes e uma edição ultra-elegante. O filme é lindo, mas é para quem realmente gosta dos filmes dele. Foi curioso ouvir um cara atrás de mim reclamando com a mulher que esse filme não passa de ‘artsy-fartsy’ crap. Que pena, pensei eu, ele deveria ter ido ao painel do Rotten Tomatoes falar mal do filme, não em uma sessão cheia de fãs do cara e de estudantes de cinema ávidos pelo tipo de estímulo que só esse tipo de extravagância cinematográfica oferece. Justiça seja feita ao nosso crítico redneck, ninguém além do Terrence Malick seria pago pra fazer um filme desses, ainda mais com um cast maravilhoso que inclui Natalie Portman, Michael Fassbender, Cate Blanchett, Patti Smith, Iggy pop, Holy Hunter e Val Kilmer, entre outros tantos astros da música e do cinema contemporâneo. Eu amei.

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Terminei o dia em uma pizzaria de oito metros quadrados com o coração batendo a mil por hora e corri de volta para escrever sobre minha experiência, com medo de que se eu tomasse uma só cerveja essa sensação iria descer pelo ralo do banheiro daqueles pubs úmidos e barulhentos da 6th street. Estou atordoado até agora, e isso foi só o primeiro dia.

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