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Wearables e música

Fiquei WOW com a dança, mas não com o MotionSonic


14 de março de 2017 - 9h52

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Ontem estivemos na WOW Factory aqui no SXSW – um showcase de tecnologia patrocinado pela Sony – e apesar de ter muita coisa realmente “WOW” (que serão devidamente divulgadas e comentadas por muita gente) o que me chamou a atenção foi o hype em cima de um produto, o protótipo MotionSonic.

Eu, Janecy e Ludmila (maestrina e atendimento da LOUD, respectivamente) fizemos um test-drive do protótipo, e logo após fomos convidados a voltar às 21:00 pra apresentação do fantástico grupo de dança “The Sh**t Kingz” que iria “take It to the next level”, como os americanos adoram dizer.

Basicamente o MotionSonic consiste em alguns elementos de coleta de dados – acelerômetro, microfone, giroscópio etc – encapsulados num gadget que se parece com um relógio de pulso.

Esses dados são transferidos (sem fio, claro) pra um software que interpreta a informação e traduz em resultados “musicais”.

Me pereceu muito com um conceito que conheci nos anos 90, de um pesquisador do MIT chamado Tod Machover: o “hyper-instrument”.

(Pausa e rewind pra 1995)

Basicamente um “hyper-instrument” é um instrumento musical com uma curva de aprendizagem tão fácil que qualquer pessoa pode dominar em questão de minutos, e por consequência começar a compor uma música original em questão de instantes.

Pra isso ser possível seria necessária uma tecnologia que removesse a longa ponte entre o pensar música e o executar música – caminho árduo que apenas alguns indivíduos muito persistentes conseguem trilhar, estudando solitariamente durante anos a fio um determinado instrumento.

Essa idéia me fascinou na época, provavelmente por eu estar cansado da mistificação em torno do músico, principalmente erudito, e da educação libertária que tive com meus pais, que acreditavam que todos podiam tudo.

Democratizar a criação artística ressoava com minha vontade na época em envolver leigos no meu universo musical, em mostrar pra quem não sabe tocar um instrumento que a música tá dentro de você, e não na agilidade dos seus dedos (e acho que eu tava de saco cheio de estudar violão clássico mesmo…).

Pra minha alegria, por volta de 1998 Tod Machover foi convidado pelo SESC pra trazer os Hyper-Instruments pra São Paulo, e eu fui na hora comprar ingressos pra conferir de perto essa genialidade da tecnologia, essa benção cibernética que iria nos libertar da escravizante rotina de estudar 8 horas por dia durante 20 anos.

“Uhu! Estamos livres!” pensei eu.

Na época já namorava a Janecy (hoje minha sócia na LOUD e violoncelista acostumada às longas horas estudando seu instrumento) e fomos juntos experimentar os hiper-instrumentos, saltitantes e cheios de esperança.

Acho que pelo tom do texto já deu pra sacar que rolou uma decepção, né?

Rolou. Decepção. Muita.

image1Basicamente os tais “hyper-Instruments” eram interfaces cafonas pseudo-sci-fi que acionavam samples musicais pré-gravados.

Tipo uma versão sofisticada e cara dessas guitarras de brinquedo que você compra pro seu sobrinho de 3 anos atormentar seu cunhado, apertando uns botões e soltando uns barulhos indefinidos gravados num chip chinês.

Os botões eram mais legais, e os sons estavam saindo de caixas Bose, mas ninguém ali estava realmente “compondo” uma música – pelo menos não como o Tod Machover tinha vendido nos textos que li, nas páginas e páginas da defesa de tese dele, sobre a qual me debrucei durante um par de anos.

(Pausa e skip pra 2017)

Bom, cá estamos nós numa noite fria de março em Austin esperando começar a apresentação dos tais “Sh**t Kingz” e ver como esses japoneses vão pegar esse gadget e transformar movimentos corporais numa performance musical/visual digna de um festival inovador e celebrado como o SXSW.

No nosso test-drive só conseguimos experimentar um pouco a relação movimento/som, e apesar de ser divertido não fiquei nada impressionado.

Depois de uma contagem regressiva de 10 minutos (sim… 10 longos e frios MINUTOS) o que vimos foram mais 10 minutos de um show de clown mal-ajambrado, onde os gadgets funcionava pra transformar os movimentos xaropes dos 4 integrantes do grupo em triggers de Samples pré-gravados tão xaropes quanto.

Sem graça e sem nada de WOW.

É, eu sei que você tava esperando um plot-twist, aquela reviravolta otimista que mostra que o mundo evoluiu e hoje os milagres da tecnologia estão revolucionando tudo e blá-blá-blá.

Mas vou te dizer: o tal Tod Machover mandou lembranças, pois a decepção foi a mesma.

No final soltaram um play-back e os 4 caras deram aquela arrasada na dança – incrivelmente incríveis como só dançarinos japoneses podem ser – e os gadgets passaram a controlar um filtro que modificava a equalização de 4 canais separados: bateria, baixo, guitarra e metais.

Fiquei WOW com a dança, mas não com o MotionSonic.

No final, depois de quase 20 anos entre as duas experiências, o que mudou foi que hoje existem realmente novas formas de composição musical, novas formas de expressão e até um aceitação diferente por alternativas criativas que não tínhamos há duas décadas atrás.

Mas não apareceu nenhum atalho, nenhum milagre da tecnologia que encurta essa distância entre o pensar e o fazer musical.

Hoje um DJ (e quando digo DJ me refiro aos turntablists criados no hip-hop, e não o David Guetta) é tão ou mais celebrado que um produtor mais “convencional”, e com razão, pois se tem um estilo musical que realmente se reinventa a cada ciclo é o rap.

Um DJ que domina scratch e todas outras variações de manipulação de toca-discos é tão virtuose quanto um violoncelista incensado.

E o virtuosismo veio do mesmo lugar pros dois: estudar 8 horas por dia, todo dia, até alguém te ouvir tocar e dizer WOW.

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