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O Maestro Robô

Tem robô tentando dominar a terra? (Ainda) não.


15 de março de 2017 - 11h00

O ano era 1984 e meu pai resolveu levar os três filhos no cinema.

O que tinha em cartaz? “O Exterminador do Futuro”.

Adequado pruma criança de 9 anos? Acho que não – talvez nem adequado pros outros dois irmãos, de 13 e 15 anos…

Mas meu pai não estava muito preocupado com isso: precisava entreter aqueles três moleques sedentos de novidade com alguma coisa, e o título “O Exterminador do Futuro” parecia um convite irrecusável.

Bom… na primeira cena, em que Arnold Schwarzenegger trespassa o tórax de um sujeito com o punho, meu pai deu uma exclamada do tipo “putz…”, me deu uma olhadinha e me viu com os olhinhos grudados na tela. Desencanou e abraçou o capeta.

Fiquei sem dormir direito algumas noites, morrendo de medo daqueles olhos vermelhos do T-1000, daquele esqueleto metálico se arrastando incansável vindo me pegar.

Eu cresci e outras coisas muito mais horripilantes passaram a atormentar minhas noites de sono, como “Será que fechei o gás”?… ou “Só tem uma fralda… se o bebê fizer xixi de novo vou ter que sair pra comprar”.

Mas como a maioria dos nerds nascidos nos anos 70 eu cresci fascinado com a idéia de máquinas inteligentes, seja por ter assistido “O Exterminador do Futuro” ou “Runaway” (aquele filme com o Tom Selleck, que tem o Gene Simmons do Kiss como vilão), ou até “2001” do Kubrick, com o mais assustador dos personagens sintéticos de todos: HAL 9000.

Na real a maioria das narrativas envolvendo inteligência artificial no cinema americano sempre tendeu pro terror, tipo “fodeu! os robôs vão dominar a porra toda!” – talvez “Short Circuit” e “Garota nota 1000” sejam as poucas exceções.

Aí você vem pro SXSW e o assunto do momento é o “A.I.” – Artificial Intelligence – e tem tipo umas 200 palestras por dia envolvendo o assunto. Você começa a assistir e se liga que a bagaça já aconteceu. a Inteligência Artificial já tá aí. O lance agora é como proceder. Pra onde vamos daqui?

Tem robô tentando dominar a terra? (Ainda) não.

Mas tem um monte de aplicações e experimentos acontecendo.

Pra mim é natural me interessar nas aplicações criativas de A.I. – principalmente música e imagem – e uma palestra me chamou atenção pelo título: “CAN A FILM MADE BY A MACHINE MOVE YOU?”

“Uau! Deve ser foda!” pensei.

Fiquei viajando, imaginando que o filme todo foi gerado por computador, como a maioria deve fantasiar: um super-computador dentro de uma sala refrigerada, cheio de telinhas estilo matrix fazendo cálculos mirabolantes. Desde os atores e cenários até a trilha sonora e os efeitos. Tudo criado na cabeça cibernética de um primo distante do HAL.

Mas na vida real a coisa é bem diferente.

O projeto assunto da palestra foi um video clipe concebido, dirigido e editado por inteligência artificial, encomendado pela Saatchi & Saatchi pra celebrar os 25 anos do “New Directors’ Showcase” no Cannes Lions de 2016.

Uma parceria da Saatchi & Saatchi, Team One e Zoic Labs.

Resumindo: colocaram a inteligência artificial pra tomar as decisões da direção de um clipe, mas o processo em si foi convencional – roteiro, casting, captação etc, tudo no mundo real.

Quem foi pra Cannes em 2016 deve ter visto o clipe – bem meia boca – mas como o Loni Peristere, da Zoic, disse: “É um clipe nota C, mas o importante é que tá aí!”.

Ou seja, o importante é que a inteligência artificial tá chegando, pelas beiradas, e a partir de experimentos como esse vão surgindo aplicações reais, como o uso de drones sendo dirigidos por A.I. ou até a aplicação pra tomada de algumas decisões às vezes muito baseadas em sentimentos, como seleção de casting.

A coisa é inevitável: isso vai fazer parte de nossas vidas queiramos ou não, e teremos que lidar com isso, e integrar isso a nosso favor.

Interessado no assunto eu comecei a fuçar o que já existe de inteligência artificial voltada pra criação musical, e fiquei impressionado com duas iniciativas: Jukedeck e Mubert.

Jukedeck  é um site que gera “production music” (ou trilhas brancas) seguindo o input do usuário. O resultado é meio tosquinho – ainda – mas promete tirar o trabalho de muita produtora de som por aí em alguns anos de desenvolvimento.

E o Mubert é o “primeiro compositor musical online”, e foca em EDM e estilos que pesam pro eletrônico, por razões óbvias. O resultado é bem convincente, e confesso que deixei o som rolando meia hora enquanto escrevia esse texto e não me incomodei.

Eu sou um pouco apocalíptico – talvez influenciado pelos filmes sci-fi toscos dos anos 80 – e tenho pregado em conversas com colegas de áudio que o que fazemos vai deixar de existir. Pelo menos no formato e do jeito que fazemos.

E isso vai ocorrer em breve.

A maioria das trilhas que compomos seguem padrões – sem falar nas modinhas que aparecem e inundam as reuniões de briefing com as mesmas referências – e muitas vezes a música acaba ficando tão em segundo plano que não faz diferença de for composta pelo Nile Rodgers, pelo John Williams ou pelo Mubert: vão meter locução na porra toda mesmo.

Em muitos casos a trilha poderia tranquilamente ser composta por um robô que muitos nem iriam perceber.

E não irão.

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