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O que de mais interessante vi e vivi no SXSW 2018

Na minha visão o SXSW 2018 foi sobre um futuro baseado em relacionamentos melhores e mais profundos entre pessoas – com as máquinas e a tecnologia servindo como meio para isso acontecer.


1 de abril de 2018 - 20h05

Cheguei de Austin na semana passada e fui absolutamente engolido pelo trabalho. Mas senti a necessidade (e tive vontade) de fazer um resumão das coisas mais importantes que vi no South by Southwest, mesmo com alguns dias de atraso. Na verdade, iniciei esse texto ainda lá, numa mesinha de apoio do Austin Convention Center e comendo uma barrinha de cereal, mas acho que foi legal esse um tempinho pra dar uma organizada no turbilhão de conteúdos e ideias que me impactou naqueles dias.

Uma coisa que tinham me dito que aconteceria e que eu comprovei lá: o SXSW é uma experiência bem individual. Encontramos amigos (antigos e novos) o tempo todo, mas cada um faz a sua programação, de acordo com seus interesses pessoais e profissionais. Assim, o festival pode ter significados muito distintos pra cada um, de acordo com o que escolheu assistir. Outras informações vêm pelas conversas que rolam depois, através das trocas de conteúdos – em vários momentos nos dividimos para estarmos em mais locais ao mesmo tempo e depois trocarmos impressões. Assim, o que vou listar aqui foram as coisas mais significativas pra mim – não necessariamente as mais importantes do festival como um todo.

1. Austin, o local perfeito

Foi muito importante ter um dia livre pra entender um pouco Austin antes de começar o SXSW – e por que a cidade é tão diferente do restante do Texas e da maior parte dos EUA. A história política e social da cidade, as seis nações que já a controlaram (“Six Flags”), a importância da UT (University of Texas), o movimento de contracultura surgido nos “Armadillo World Headquarters”, o sincretismo musical e a convivência entre hippies e rednecks (e o papel do Willie Nelson pra isso), o surgimento do Texas Blues, enfim, como Austin tornou-se ‘weird’ muito antes das empresas de tecnologia e do SXSW.

No âmbito econômico, foi interessante refletir sobre porque o modelo americano funciona tão bem, com cidades fortes espalhadas por todo o país, de norte a sul, de costa a costa. Austin tem pouco mais de 900 mil habitantes e mesmo assim a Whole Foods, ao ser comprada pela gigante Amazon no ano passado, manteve seus headquarters na cidade. Assim como a Dell Computers, que nasceu e nunca tirou seu centro de decisões de lá. Isso possibilita uma economia robusta, com empregos qualificados pra população e um conjunto de empresas de serviços forte e diversificado – principalmente nas áreas de tecnologia, mas incluindo até agências de propaganda. E fica bem claro o contraste com países menos desenvolvidos, que concentram tudo em uma cidade – como Lima, Cidade do México ou São Paulo.

Durante os dias do festival, a vibe da cidade só melhorava a cada dia. Dava pra sentir os moradores felizes e orgulhosos por receber um evento dessa importância. O SXSW leva mais de 300 mil pessoas à cidade – entre participantes e quem que vai trabalhar no evento – e tudo acontece num espaço geográfico relativamente pequeno, com o centro de convenções como epicentro e programações espalhadas por hotéis, casas, cinemas, bares e ruas do entorno. Assim, é uma experiência muito interessante circular na região durantes esses dias, cruzando pessoas de todos os tipos, profissionais das mais diversas áreas e moradores de diferentes cidades e países do mundo. Sem que contar que Austin é a cidade “com mais estabelecimentos com música ao vivo por habitante dos EUA” – se já tem ao longo do ano, imagina no período do SXSW… Por onde se andava tinha música boa rolando, em cada bar, em cada esquina – mesmo antes de começar oficialmente a parte musical do festival.

2. Blockchain, blockchain, blockchain

Este foi sem dúvida o tema que eu mais acompanhei em palestras e painéis durante o SXSW. Desde apresentações mais básicas sobre os conceitos fundamentais dessa tecnologia, passando por previsões sobre o que vai acontecer com a internet no futuro e, principalmente, discussões sobre seus possíveis usos e aplicações. A possibilidade de colaboração, a confiabilidade e segurança dos ‘smart contracts’, o contato direto entre pessoas (peer-to-peer), os relacionamentos baseados nas reputações, os tokens e a oportunidade que representam as mineradoras.

O foco principal das discussões foi nas aplicações, sobre como o blockchain pode ser utilizado no direito, na saúde, em registros (será o fim dos cartórios?), na indústria (supply chain), na música, na mídia e, claro, nas mais variadas criptomoedas – com destaque para as locais, como a que foi desenvolvida para Austin. Chegando ao limite, o pessoal do Ethereum – possivelmente a principal plataforma global baseada no blockchain – diz que a tecnologia pode ser utilizada para até para criar “uma melhor democracia delegativa” ou ainda “o seu próprio país, com uma constituição imutável”.

A questão não é unânime. Por um lado existem os defensores da teoria de que estamos à beira de uma grande revolução – a web 3.0, mais inteligente e personalizada, com grande protagonismo do blockchain (estaríamos em 1994, considerando que o boom da internet se deu em 1996). E por outro existem questionamentos sobre o quanto os esforços estão se focando mais no meio do que no fim, buscando-se usos muitas vezes forçados para plataformas baseadas nessa tecnologia, que não justificam os custos ou não resolvem problemas reais. Bem difícil ter opinião formada sobre o assunto, aliás.

3. Como usar melhor as tecnologias já disponíveis

Dar mais importância nas discussões para as aplicações da tecnologia do que às ideias e aos conceitos delas em si não foi exclusividade do blockchain. Boa parte de tudo o que faz parte do nosso dia a dia digital hoje se não foi lançado, foi bombado no SXSW – os blogs e fóruns em 2001, a Wikipedia em 2003, o Youtube e o Skype em 2005, o Facebook e o Twitter em 2006, o Snapchat em 2012, entre muitas outras coisas. Aparentemente nesta edição não aconteceu nenhuma ideia com potencial revolucionário nesse nível, mas muito se discutiu sobre como utilizar as coisas que já estão aí.

Machine learning é um tema abordado já há algumas edições, mas foi legal ver como a Coca-Cola usa para testar sabores de bebidas e tirar insights sobre a distribuição e manutenção de equipamentos. Assistentes de voz já são parte do dia a dia de muitos americanos, mas foi interessante entender como a voz parece que vai mesmo substituir as telas e interfaces visuais diversas – inclusive os smartphones, segundo alguns. É mais humano falar do que escrever e nós comprovamos isso brincando de “Ok, Google” várias noites em casa, tomando cerveja e repercutindo o que tínhamos visto durante os dias. Inteligência artificial, uso de bots em várias áreas, data science, VR/AR, entre outras tecnologias, foram todas discutidas sob a ótica de sua aplicação prática na vida das pessoas e das empresas.

Uma das palestrantes mais repercutidas – Ammy Webb – meio que resumiu essa questão: estamos vivendo uma espécie de acomodação após um período de diversas descobertas tecnológicas. Muito foi inventado e descoberto nos últimos anos e agora precisamos entender o que fazer com tudo isso. E eu acho que essa teoria dela faz bastante sentido.

4. Keep Brazil Weird!

O protagonismo do Brasil no SXSW foi provavelmente a surpresa mais agradável que tive lá em Austin. Além de uma grande delegação (mais de 1.300 brasileiros participaram dessa edição do SXSW), nosso país teve grande destaque em palestras, discussões e apresentações. Na parte artística vi desde o Kobra pintando um painel gigante ao vivo na Casa “Be Brasil” (que aliás era na Fogo de Chão, só atravessando a rua do Convention Center), shows interessantes com Liniker e Filipe Catto na parte musical do festival, além do emocionante documentário sobre a tragédia da Chapecoense (Nossa Chape) na parte de filmes.

Na grande feira que acontece durante o SXSW (Trade Show), o estande brasileiro era gigantesco, logo na entrada, com um estúdio com entrevistas rolando ao vivo e exposições de marcas produtos brasileiros – somente a Apex levou uma delegação de 77 empresas, sendo muitas startups, como a Moments.Surf – um app genial que aproxima surfistas e fotógrafos de surf. Várias grandes empresas brasileiras também tiveram destaque ao longo da programação – Ambev, Natura, Gerdau, Gol, Bradesco, entre outras.

Mas foi em duas palestras que senti mais orgulho da capacidade brasileira de grandes feitos. A primeira foi um painel da Coca-Cola sobre Machine Learning (já comentado) em que foram apresentados usos inusitados para esta tecnologia. Uma das painelistas era brasileira, de uma empresa chamada CI&T, que eu nunca tinha ouvido falar – fui descobrir que se trata de uma belíssima empresa de tecnologia, com matriz em Campinas/SP, que foi a responsável por esse e outros projetos para a Coca e para outros grandes clientes internacionais. E a outra foi uma apresentação conjunta da Embraer com a Uber, apresentando os “táxis aéreos do futuro”. São pequenos carrinhos de quatro lugares que voam como drones e que, segundo as duas empresas, estarão operando já em 2024. Antonio Campello – o genial CEO da Embraer – foi brilhante, destacando que a empresa sabe o que está fazendo, que é a maior autoridade do mundo nesse negócio (detém 80% do mercado americano de aviação comercial) e que está junto com quem entende tudo de tráfego urbano e UX para desenvolver a solução tecnológica que vai resolver os problemas de mobilidade das grandes metrópoles mundiais.

5. A importância de se estabelecer controles e/ou regulamentações

Um dos momentos mais emblemáticos desse SXSW foi quando Elon Musk, certamente a maior celebridade desta edição (vi pessoas com atitudes de dignas de fãs de popstars, desde gritos histéricos até oferta de 100 dólares para comprar um ingresso que foi distribuído gratuitamente), disse com expressão muito preocupada, quase sombria: “temos que ter muito cuidado com a inteligência artificial”. Em meio ao frenesi do potencial das novas tecnologias, foi interessante perceber uma visão menos entusiasmada e mais racional sobre como lidar com elas – vinda de alguém com tanta propriedade pra falar sobre o tema.

Outro “keynote speaker” que tocou nesse ponto foi prefeito de Londres Sadiq Khan – primeiro muçulmano eleito pra um cargo dessa importância. Ele destacou que o maior desafio que tem que encarar é garantir que os avanços tecnológicos cheguem a todos – e que está agindo para isso. Ele deixou claro que não teme nenhum tipo de tecnologia (inclusive a cidade está investindo em projetos de AI) mas destacou que as tech companies falharam em se responsabilizar pelas consequências do que lançaram (logo depois explodiu a confusão Facebook x Cambridge Analytica) e os políticos em se adaptar a esse novo mundo. Defendeu ainda que o peer-to-peer propiciado pelo blockchain vai facilitar que profissionais vendam diretamente suas habilidades para quem quiser comprá-las, mas que isso pode gerar problemas de segurança e acabar com avanços de décadas em relação a discussões de questões trabalhistas.

Estes foram os mais importantes, mas certamente não os únicos a trazerem essa ótica para os debates do SXSW. Discussões sobre o blockchain deixaram muitas questões em aberto, principalmente relacionadas à segurança dos contratos e transações. Muitas coisas ainda estão no campo das ideias, precisam ser prototipadas e testadas – mesmo já estando alardeadas para o mercado. Quando o tema são as transações financeiras, não apenas criptomoedas, isso se torna ainda mais crítico. Muitas perguntas da plateia ficaram sem respostas e vários debatedores se demonstraram bastante céticos em relação ao quanto pode ser arriscado se jogar de cabeça em algumas tecnologias sem medir suas consequências.

6. O ser humano no centro

Acho que nunca o clichê ‘high tech / high touch’ fez tanto sentido pra mim. Fui pra Austin preparado pra um evento bem ‘nerd’ – por mais que tivesse estudado com cuidado a programação e visto a abrangência de conteúdos, ainda me parecia que o tom das conversas seria bastante técnico. Ou, como li em algum lugar, um monte de engenheiros e cientistas mostrando pra profissionais e empresas (e curiosos…) de várias áreas suas mais recentes invenções. Mas o que vi de verdade foram discussões profundas e interessantes sobre as pessoas e sobre a natureza humana.

Dá pra dizer que, na ‘gestalt’ do SXSW, inovação e tecnologia foram fundo para quase todas as discussões e que o ser humano foi figura. Quem leu meus textos anteriores aqui sabe que acompanhei palestras sobre propósito, sobre o poder de transformar, sobre criar um mundo melhor, sobre tendências (óbvias e não-óbvias), todas com ideias e exemplos muito interessantes discutidos sob a ótica humana.

Vi também ativações de marcas diversas pelas ruas de Austin (do Google à Under Armour, passando pela Sony, Youtube e, melhor de todas, a Panasonic com seus jovens japoneses geniais), todas focadas em proporcionar experiências de impacto e apresentar o que estão fazendo para construir um futuro melhor para todos. E vi ainda palestras e painéis nas várias trilhas que me interessam – cidades, varejo, governo, food, health e, até, comunicação e marketing – sempre com debates e discussões focados nos contextos e necessidades das pessoas em seus diferentes papéis: consumidores, cidadãos, profissionais e familiares.

É fato que o SXSW é uma experiência muito intensa e transformadora – como já tinham me adiantado. É uma variedade e abrangência absurda e isso ficou bem claro pra mim quando tentei explicar pra minha mãe sobre o que era o evento: tecnologia, inovação, comunicação, música, cinema, games… Foram em torno de 30 palestras e paineis com conteúdo muito denso, mas também muita música, filmes e experiências humanas inesquecíveis.

Em resumo, na minha visão, o SXSW 2018 foi sobre um futuro baseado em relacionamentos melhores e mais profundos entre pessoas – com as máquinas e a tecnologia servindo como meio para isso acontecer. Ou, como destacou o ‘guru’ Tim O’Reilly, foi sobre a tecnologia dar “superpoderes” às pessoas, permitindo que façam coisas que antes eram impossíveis. Foi muito bonito perceber um senso de coletividade muito forte, a intencionalidade humana como protagonista, a emoção, o pensamento, a inteligência e a intuição se sobrepondo às supermáquinas e aos supercomputadores.

E… falta muito pra março de 2019?

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