Publicidade

Interatividade que gera empatia

Elisa Capai, que dirigiu e produziu um documentário premiado no Festival de Berlim, fala sobre a a necessidade latente de mostrar ao público a complexidade dos movimentos sociais


9 de março de 2019 - 9h23

(Crédito: RawPixel/Pexels)

Muitas vezes escutei ativistas dizerem, inclusive aqui no SXSW, que um dos maiores problemas das causas sociais é o descolamento das pessoas que não estão envolvidas nas causas com a realidade dos que sofrem em seus mundos isolados. É o caso, por exemplo, de pessoas trans. Como há pouquíssimas pessoas trans integradas em ambientes de trabalho ou presentes nos ambientes sociais da maioria das pessoas, não se conhece a fundo sua luta e sua dor e por isso não se gera a empatia necessária para que sua causa tenha apoiadores. Aquilo que nos é estranho, nos gera repulsa, mais do que compaixão. Talvez isso explique também porque muitas vezes maltratos a animais causam maior comoção do que agressões a pessoas pretas e pobres em favelas. A favela está distante, enquanto muitos de nós tem animais de estimação em casa.

Hoje assisti a palestra da documentarista brasileira independente, Elisa Capai, que dirigiu e produziu um documentário premiado no Festival de Berlim sobre as manifestações e ocupações estudantis de 2013 a 2017 no Brasil. Sua obra, que relata os movimentos através de um privilegiado olhar de dentro, foi aplaudido de pé no festival alemão e, após esse feito, bastante reconhecido pela mídia brasileira. Contudo, conta ela, ao fazê-lo, essa mesma mídia enaltece o trabalho da diretora, sem entrar no mérito das lutas e dos protagonista que deram origem à história. Foi a partir dessa percepção, que Elisa resolveu criar uma versão interativa do seu filme, chamada “Espero Tua (Re)volta”.

Nessa versão, que será apresentada apenas para audiências menores, primordialmente dentro de escolas, o público pode decidir, por meio de votação aberta, qual protagonista deve narrar a história e quais os caminhos devem ser seguidos pelos narradores em momentos cruciais do movimento e das ocupações. Quando por exemplo, os manifestantes se deparam com a chegada violenta da polícia para reprimir a manifestação, podem decidir se ficam ou vão embora. Quando há que ser tomada a decisão se os estudantes devem ocupar uma escola ou a Assembléia Constituinte, novamente é a audiência que vota e escolhe o rumo. E até mesmo o final da história, feliz ou triste, é determinado pela plateia nessa versão interativa.

A razão para tudo isso, explica Elisa, é a necessidade latente de mostrar ao público a complexidade dos movimentos sociais, a dificuldade e os conflitos vividos por jovens de 14 a 16 anos, que lutam por melhorias em suas vidas de estudante, mas sofrem com as consequências de sua exposição, com perseguições por parte de forças policiais e políticas, que lhes causam danos físicos e psicológicos tremendos. Quando se assiste a tudo à distância, muitas vezes a reação natural é de crítica às ações ou de relativização das dores destes jovens. Por outro lado, ao ser confrontado com a necessidade de tomada de decisão em momentos críticos e, principalmente com suas consequências, o público tende a gerar maior empatia com os protagonistas e entender melhor as causas e a complexidade de suas lutas.

Elisa conta que foi após assistirem um documentários sobre ocupações de estudantes no Chile, que os estudantes secundaristas brasileiros decidiram ocupar as escolas. Ela espera que seu documentário interativo inspire as pessoas a se somarem à luta pela democracia e pelos direitos à uma educação mais plural e condizente com a realidade do novo mundo, em um momento onde o conservadorismo e a repressão do novo governo brasileiro parecem criar ainda maiores obstáculos a essa luta. Que assim seja. Não se pode jamais desprezar o poder e a força dos jovens.

Publicidade

Compartilhe

  • Temas

Patrocínio