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No SXSW 2019 nem mulher, nem homem. Apenas a sua voz

Empatia. A palavra é linda, mas não se engane, a jornada é árdua e longa


14 de março de 2019 - 14h03

 

(crédito: reprodução)

Empatia. Essa foi a palavra do momento do South by Southwest 2019 e, com certeza, se você está acompanhando o evento já deve ter lido alguns textos sobre isso. O conceito é bonito e fala sobre a nossa capacidade e habilidade psicológica de se colocar no lugar de outra pessoa. Sentir o que o outro sente, compreender os desejos e ideias de outrem e aí sim estabelecer um diálogo real. O plano é bom, faz sentido, e eu acho que está no papel do SXSW trazer essa reflexão. Porém, se você me perguntar se eu acredito que nós, como sociedade globalizada e altamente conectada, já estamos prontos para aplicar a empatia no nosso dia a dia? A resposta é não. Principalmente em um contexto de tantas ressignificações de papéis acontecendo entre homens e mulheres.

“Poder e controle: é sobre o que estamos falando quando o assunto é relacionamento”, disse Esther Perel fazendo diversos paralelos entre trabalho e vida pessoal. Trazendo à tona a questão da confiança e a vulnerabilidade que existe na verdade do ser humano, que não é perfeito e sofre muito por não ser. O que me lembra o painel feito por Rohit Bhargava que trouxe o “homem confuso” como uma das tendências não óbvias de 2019, em um momento de mulheres empoderadas e neutralidade de gênero. E citou um artigo muito interessante da Sarah Rich, chamado Today’s Masculinity is Stifling, onde questiona até que ponto é permitido aos homens entrarem em ambientes que sempre foram dominados pelas mulheres – começando pelo guarda-roupa e pelo seu próprio filho que decide ir de vestido para o colégio. “Meninos podem vestir coisas bonitas também”, uma garotinha disse ao vê-lo, depois de muitas objeções de outros colegas, ao que a autora pontua: “Não, não podem. Assumir qualquer coisa feminina, se você não é biologicamente mulher, causa desconforto e confusão, pois na história e em muitas partes do mundo ser mulher significa desvantagem. Por que um garoto, nascido com todo o poder da masculinidade, abriria mão da sua dominância privilegiada?”. E eu confesso que automaticamente me lembrei de Damares Alves, nossa ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, com a sua famosa frase de entrada no Governo, em pleno 2019, sobre uma nova era no Brasil onde menino veste azul e menina veste rosa.

Alexis Jones lidera uma empresa chamada “I Am That Human”, que tem como objetivo inspirar pessoas e promover inovações na humanidade. Atua com o Google, por exemplo, em ações de prevenção ao assédio sexual, é consultora do Netflix e esteve também no SXSW em um bate-papo com o público. Ao ser questionada sobre como o homem poderia ajudar a mulher nesse novo cenário ela inverteu a resposta: “As mulheres precisam dizer aos homens que não esperamos que eles sejam perfeitos. Afinal, nesse momento da história discutimos o poder para ambos. Como mulher, não podemos cometer os mesmos erros deles por estarem no poder”. Espaço para a imperfeição é o que ela coloca – o que nos leva à questão da vulnerabilidade mais uma vez. Agora qual é a sua voz, a sua forma de expressão e o seu lugar de fala? E como se conectar com o outro se você ainda julga a sua própria essência?

A transparência tem sido cada vez mais exigida das pessoas, das instituições, das marcas, mas ainda estamos em processo de aprendizado sobre exposição. E é fundamental reconhecer a fase em que estamos. O que fala diretamente com a forma com a qual consumimos. Quais são os nossos valores e no que acreditamos atualmente? Eu já perdi a conta dos painéis que citaram o ceticismo da nossa sociedade perante às fake news, ao sensacionalismo e às grandes organizações. Não confiamos no Governo, na Igreja e nos veículos de comunicação. E se não confiamos como podemos reconhecer a verdade do outro? Se formos analisar ainda sob a perspectiva de mercado, como um anunciante conseguirá passar sua autenticidade nesse universo tão fragmentado e desconstruído de telas e discursos? Ok, muito já se debateu sobre autenticidade, legal. Porém, estamos colocando em prática?

“Ainda não sabemos como fazer isso, mas precisamos buscar a autenticidade emocional para falar com os consumidores. As marcas precisam achar a sua voz”, declarou Matt Lieber da empresa Gimlet Media, recém comprada pelo Spotify. No painel, foi dito que no ano passado a cada 3 americanos 1 escuta podcast, e o rápido crescimento dessa mídia baseada em áudio reforça as múltiplas formas de se posicionar. Em uma provocação válida, Matt disse que hoje a maioria das empresas tem guia visual de marca, logo, tipografia etc, e que torna-se necessário então um guia de voz.

Como falar? E como se conectar através da voz com as pessoas? Lembrando que o som é algo poderoso, ativa suas memórias e desperta emoções, como foi colocado no painel “Creating Sound-On Content in a Sound-Off World”. Katie Keating da IBM citou, inclusive, que consumidores de áudio book escolhem qual livro irão comprar de acordo com o narrador – na contramão do comportamento do feed das redes sociais, onde, principalmente, os jovens assistem os conteúdos sem ligar o som. De acordo com a Digiday, 85% dos vídeos do Facebook, por exemplo, são assistidos no mudo. Não que eles não se importem. Talvez estejam sendo apenas mais criteriosos no investimento da sua atenção e tempo, já que ligar o som está relacionado com a necessidade do ser humano de mergulhar, dissecar e discutir o assunto, como pontuou Tom Chirico do Twitter.

Sendo assim, como marca, como fazer um usuário investir tempo em você? O que a sua imagem representa? E de novo voltamos a refletir sobre a sua identidade – seja indivíduo ou corporação. O que me faz pensar que, em termos de comunicação, reconhecer o seu espaço e a sua voz se torna fundamental para depois reconhecer o outro. No sentido de que perceber com verdade as suas forças e fraquezas é o que te tornará sólido o suficiente para inspirar e engajar o outro lado – seja em um comercial, em um vídeo, post ou numa mensagem de WhatsApp.

Emoção. A nossa capacidade de sentir, que vai antes de qualquer julgamento e ação, faz parte dessa máquina chamada ser humano. E eu acredito que toda e qualquer inovação é realizada com a entrega da sua técnica com o seu emocional. A tecnologia avança a passos largos, e quanto mais se desenvolve, mais rápido se desenvolve. No entanto, não adianta ensinar o robô a ser empático, como muito se discutiu por aqui, se nós ainda não aprendemos a ler os nossos próprios sentimentos. “A tecnologia é assunto periférico do SXSW”, você pode pensar. No entanto, olhando sob uma outra perspectiva, pode entender que as conversas sob o aspecto humano talvez sejam a grande inovação de fato que precisamos para uma real nova era. A internet trouxe informação a todo e a qualquer momento, mas também nos trouxe pessoas e histórias que podem nos inspirar a mudar pré-conceitos, padrões e rótulos baseados numa realidade que não faz mais sentido. O escritor Neil Gaiman, que também falou no SXSW, brincou que a ficção precisa se comprovar, mas que a realidade não. Tendo a crer que ainda não sabemos que realidade é essa e faz parte trabalhar a nossa ansiedade em não saber. Tá tudo bem. No passado, as mulheres usaram calças para fazer protestos. Hoje, por que não, homens usando vestidos? Prevemos o futuro criando ele – inovadores dirão. E já passou da hora de aprendermos a desaprender.

 

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