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Lições para salvar o jornalismo

Indústria das fake news impõe desafios de faturamento e boas práticas, ligados à polarização, brand safety e o ódio como atração de audiência

Jonas Furtado
13 de março de 2022 - 11h29

Nandine Jammi e Claire Atkin, fundadoras e sócias da Check My Ads, em painel no SXSW (Crédito: Jonas Furtado)

Ainda que sem o mesmo glamour de temas ligados às buzzwords mais quentes do momento, como o metaverso e a web descentralizada, a crise sem fim do jornalismo, frente ao avanço dos sistemas de desinformação e das estratégias de monetização via conteúdo publicado em websites e impulsionados pelas redes sociais, aparece nas mais diversas sessões de diferentes trilhas do SXSW, em uma das mais consistentes linhas de debates e troca de conhecimento do festival.

Neste hiato da realização do evento, houve um avanço na fiscalização e nos esforços para combater as fake News. Mas as práticas predatórias também multiplicaram seu alcance e ganharam novas roupagens para contornarem as novas limitações impostas.

Apesar da complexidade da situação, há boas notícias – e soluções para a maioria dos problemas apontados.  

1 – O desgaste com a polarização e como resgatar o termo “jornalismo”
A divisão da sociedade em posições extremas teve como uma de suas consequências o desgaste do termo “jornalismo” – em boa parte, pela prática de políticos populistas sempre procurarem um inimigo em comum para concentrar os ataques. “Se tornou uma palavra com significados ambíguos, com diferentes percepções”, acredita Kelsey Ryan, fundadora e Publisher do The Kansas City Beacon, cuja audiência são moradores da área urbana da cidade que leva no nome, interessados em melhorar a vida nos bairros. Ela explica que prefere usar o termo “notícias da comunidade” para expressar a atividade core de sua empresa: a prestação de serviços.

2 – O ódio como audiência e a exposição como remédio
Fundadoras da Check My Ads, consultoria especialista em checagem de anúncios publicados em sites que promovem a desinformação, Claire Atkin e Nandine Jammi demonstraram em diversas frentes como a arrecadação das empresas de mídia que investem em notícias é afetada negativamente pelo mecanismo utilizado por organizações e influenciadores especialistas em abusar das fake news como fonte de financiamento. Como se beneficiam da polarização citada acima, os criadores de notícias falsas precisam manter a divisão da sociedade. As mensagens de ódio e a criação de inimigos a serem combatidos funcionam em diferentes frentes: abastecem com conteúdo os grupos extremistas a difundir suas ideias e atraem essa audiência para seus websites, gerando mais oportunidades de faturamento.

Em um sistema automatizado, e em um misto de negligência com ignorância, muitas vezes os anunciantes não têm ideia de que seus anúncios estão sendo exibidos em sites de desinformação. Assim, seus dólares investidos em publicidade sustentam a indústria das fake news e acabam, simultaneamente, deixando de financiar o bom jornalismo.

Neste caso, recomenda Nandine Jammi, o remédio é a exposição nua e crua das marcas – no começo, como um alerta amigável, que pode se transformar numa cobrança pública contundente, caso não haja uma mudança de posicionamento por parte da companhia.  

“Nosso método é a exposição. Sabemos que isso torna as coisas mais difíceis, mas é a forma como conseguimos agir mais rapidamente”, explicou Jammi, uma das criadoras do Sleeping Giants, movimento que monitora a web para alertar grandes empresas quando seus anúncios são exibidos em sites que promovem a desinformação.

3 – A obsessão por brand safety não pode gerar gap de informação
A aversão de certos profissionais de marketing em ver suas marcas associadas à temas que possam gerar debates acalorados (olha o impacto da polarização aí de novo!) pode, como efeito colateral, prejudicar o bom jornalismo. Ao proibir suas campanhas de serem veiculadas em notícias sobre, por exemplo, tiroteios em escolas, as marcas acabam por penalizar veículos que fazem coberturas de assuntos nao tão atraentes para patrocinadores, mas de interesse público, como prestação de serviços e a promoção de debates necessários à vida em sociedade. Isso tem desestimulado as empresas de mídia a investir em reportagens investigativas.

“Jornalistas são instruídos a evitar palavras malditas, ou suas empresas não recebem o dinheiro de anunciantes”, afirma Claire Atkin, da Check my Ads. “É preciso o compromisso das marcas com um jornalismo que informe e cumpra o seu papel junto à sociedade”.  

A obsessão por brand safety que pune o bom jornalismo acaba também por abrir ainda mais espaço para as fake news. “Tal lacuna de fontes independentes e sérias gera um gap de informação para grupos relevantes da população. Essa brecha é ocupada pelos produtores de conteúdo voltados para a desinformação”, aponta Irene McKisson, executiva-chefe e cofundadora da AZ Luminaria, serviço de informações locais para os moradores do Arizona (EUA).

4 – Desconfiança do público cresce, mas pode ser revertida por redações com maior representatividade
A predominância de um perfil único nas lideranças dos veículos de mídia e das redações foi apontada como um dos maiores entraves para uma maior identificação e engajamento dos diferentes públicos com a imprensa. A maior presença feminina e de pessoas negras nas posições de chefia é fundamental para que novas perspectivas sejam abordadas, gerando empatia e um serviço relevante para uma audiência significativamente maior.

“A quebra de confiança entre o público e as instituições acontece também com a imprensa, muito pela falta de diversidade. Tanto o formato quanto o conteúdo do noticiário foram pensados por homens brancos”, avaliou Amanda Zamora, co-fundadora e Publisher da The 19th, que cobre notícias ligadas à política, gênero e governança.  

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