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Emily Ewell: “Sustentabilidade não é marketing”

Fundadora e CEO da Pantys comenta esforços das empresas em tornar sua produção têxtil mais sustentável e de que forma a marca equilibra propósito, comunidade e transformações culturais

Thaís Monteiro
13 de março de 2022 - 9h54

A indústria têxtil é uma das que mais contribui para a poluição no mundo. Segundo relatório Fashion on Climate, realizado pelo Global Fashion Agenda com a McKinsey, em 2018, as confecções emitiram 2 bilhões de toneladas de gases de efeito estufa, o que representa 4% das emissões globais. Além disso, o segmento produz toneladas de resíduos têxtil, que acabam sendo destinados a lixões clandestinos. Ao mesmo tempo, o descarte de absorventes descartáveis durante a vida de uma mulher (450 ciclos menstruais) produz 200 quilos de lixo que, por sua vez, demora 400 anos para decompor.

Lutando contra o uso de absorventes descartáveis e em um esforço para reduzir seus impactos enquanto empresa da indústria têxtil está a Pantys. Convidada para falar no SXSW no painel “Pegada de carbono e o futuro das marcas de consumo”, Emily Ewell, fundadora e CEO da marca, vai detalhar o projeto que realizou em parceria com a WayCarbon — que teve 80% da empresa adquirida pelo Santander essa semana — para lançar uma etiqueta de carbono neutro que informa à consumidora qual é o impacto estimado em emissão de gases de efeito estufa para cada peça produzida pela Pantys.

Etiqueta mostra impactos da fabricação do produto (Crédito: Divulgação/Pantys)

“Sustentabilidade é mais um compromisso de sempre trazer transparência, sempre melhorar e diminuir seu impacto a longo prazo. O projeto trouxe muitos insights para nós sobre onde conseguimos melhorar a emissão de carbono e fazer um pacto maior. Por exemplo, nossa etiqueta também faz a compensação do uso e descarte do produto. E vimos que muito da emissão de carbono vem do sabão quando você lava a sua calcinha, porque normalmente são sabões com mais química. Isso chamou muito nossa atenção por conta da oportunidade de investir em produtos que podem ajudar a melhorar o impacto do nosso produto”, conta. 

Se antes o compromisso com modelos de negócios sustentáveis estava mais atrelado a ongs e ao poder público — ambos com menos poder de investimento que grandes corporações –, hoje a executiva acredita que há um esforço das marcas em entender que a sustentabilidade não é objeto de marketing ou algo que vai trazer um diferencial de marca, e sim uma necessidade. 

(Crédito: Thais Monteiro)

Ao Meio & Mensagem, Emily compartilhou mais opiniões sobre o tema sustentabilidade e mudanças climáticas — nova track do SXSW — e demais percepções sobre posicionamento de marca, comunidade, economia de influência, acessibilidade e mudanças culturais.

Meio & Mensagem – Esse ano, o SXSW teve a Alexis, do Planned Parenthood, falando sobre como as marcas podem se mobilizar apoiando ou se posicionando sobre questões como projetos de leis anti-aborto que estão ocorrendo nos Estados Unidos. Ela citou duas, que são aplicativos de relacionamentos: Bumble e OK Cupid. Como uma marca de roupas íntimas, já vimos a Pantys criar produtos que apoiam uma minoria política (homens trans), além das próprias mulheres. Qual é a importância das marcas se posicionarem? O propósito sócio-ambiental é inerente à marca Pantys?

Emily Ewell – As marcas têm grandes oportunidades para levantar bandeiras para fazer uma transformação de mercado, de sociedade. Sem dúvida, elas tem um papel muito importante nisso. E por ser uma empresa sistema B, nós temos um compromisso em ter uma contabilidade anual de todo nosso impacto ambiental, social e para nossa comunidade de colaboradores. Então, levamos isso com bastante seriedade. Também fazemos parte do UN Global Compact que tem metas associadas com impacto, como igualdade de gênero, inclusão, diversidade, capacitação de mulheres e mulheres em situação de vulnerabilidade. Acreditamos muito e investimos muito, tanto em projetos e programas para fazer parte de mudanças, mas também na comunicação e levamos isso para nossa comunidade com bastante seriedade. É totalmente central para nós como marca se posicionar em causas que fazem sentido para a marca. 

M&M – A Pantys é uma das marcas com maior comunidade social no mundo. Qual foi a estratégia para criar essa essa comunidade social? E como buscam fidelizar os consumidores?

Emily – Nós escutamos muito a nossa comunidade. A comunidade está sempre mais à frente. Como marca, nós precisamos escutar com muito carinho e cuidado os feedbacks, as preocupações e as observações de nossa comunidade. Mas nós nascemos com alguns pilares muito importantes para a marca. Então, empoderamento feminino, sororidade, capacitação das mulheres. Por ser um produto de cem anos sem muita evolução, nosso produto empodera mulheres para dar mais liberdade e mais conforto.O propósito do produto já trás esse pilar e nós fazemos a extensão desse pilar quando temos outros projetos ligados ao social e ambiental. Nosso produto já trás o benefício de ser reutilizável e que beneficia o consumo de milhares de absorventes descartáveis ao longo da vida. Outros pilares da marca são a diversidade. Trouxemos uma visão de inclusão na comunicação tanto de tons de pele quanto formatos de corpo e nessa época foi um pouco radical. Hoje, já é um pouco normal. Natura e todas as grandes marcas estão fazendo isso. Isso vem muito de nós e no que acreditamos. Pantys é uma marca para toda mulher e não só mulheres magras e brancas. Nossa comunidade tem nos ensinado muitas coisas ao longo dos anos.

M&M – Este ano, no BBB, a Jade Picon falou sobre o uso de calcinhas descartáveis. Pensando no ecossistema de influência, essas falas ainda têm impacto nos negócios?

Emily – Essa pergunta é muito curiosa. Até a Jade é uma consumidora da Pantys há muitos anos. Pode ser que ela use calcinhas reutilizáveis só para a menstruação. Eu não sei exatamente o porquê que ela trouxe isso para a pauta e para a comunicação, mas é algo para saber trazer visibilidade. Foi algo que pareceu um pouco ridículo, mas dá para a pessoa repensar se faz sentido usar calcinhas descartáveis todos os dias, porque é absurdo, mas é a mesma coisa que a compra de absorventes menstruais. Cerca de 90% do mercado brasileiro ainda usa absorventes descartáveis. O Brasil é um dos maiores mercados do mundo no uso e descarte de absorventes. Acredito que sejam 15 bilhões descartados todo ano. Não sei o ponto dela ser um impacto para a Pantys especificamente. É algo mais para educação e despertar das pessoas nesse sentido.

M&M – Quais devem ser os próximos passos dos esforços das empresas em tornar o mundo mais sustentável?

Emily – Com certeza há um maior esforço, quando vemos a Zara falando que em 2030 todas as matérias primas vão ser sustentáveis, de fontes recicláveis ou fio natural. Isso mostra que até as grandes fabricantes do mundo estão acordando e entendendo que ser sustentável não é algo de marketing e que vai ajudar eles a serem mais diferenciados. Sustentabilidade é uma necessidade. Eu acredito que a Pantys é uma social enterprise e, olhando o mercado de saúde, saúde é um mercado de trilhões de dólares, mas também é um direito humano. Quem está no ramo de saúde não pode só pensar sob o lado de lucro, tem que pensar mais. Eu tenho mestrado em saúde pública e eu acredito muito no potencial de empresas do setor privado e público trabalharem juntos para resolver problemas como pobreza menstrual. Para resolver a pobreza menstrual, tem que ter o governo apoiando, incentivos para corporações como nós fazermos doações, conseguirmos entregar nas escolas. Tem custo, mas é necessário. Eu acredito que produtos reutilizáveis vão ajudar a acabar com a pobreza menstrual. À medida que você dá absorventes descartáveis por um mês, ela só vai ter acesso a isso durante um mês. O custo de logística também fica mais caro que absorventes. Mas nosso produto dá acesso durante anos. Para mim, isso é oportunidade de fazer mudança. O melhor passo que uma empresa pode dar é cadastrar no sistema B e fazer diagnóstico porque você vai aprender muita coisa sobre o que você faz bem e precisa fazer o que você não pensou que é importante. Temos toda a parte de governança, que é super complexo. Talvez você não vá tirar o certificado durante anos, mas você vai saber o passo a passo para ser mais sustentável.

M&M – Nos países menos desenvolvidos, produtos sustentáveis ainda esbarram na acessibilidade deles. É possível unir sustentabilidade e acessibilidade? Como?

Emily – Sustentabilidade e acessibilidade casam muito e, embora nosso produto possa parecer caro, pelo fato de ser reutilizável já é uma grande vantagem. Vemos muitos países fora do Brasil tirando imposto sobre absorvente e produtos menstruais. Sei que há países que distribuem produtos menstruais na escola ou de forma gratuita. O problema da pobreza menstrual é de gênero e faz com que as meninas parem de ir para a escola ou de fazer esforço, mas é uma necessidade de empoderamento e soluções.

M&M – Além disso, uma das propostas da Pantys é uma mudança cultural. Muitas mulheres em seus 50 anos deixaram de usar pano para usar absorventes e muitos dos jovens de hoje já menstruaram em um mundo acostumado a usar absorvente descartável. Que práticas vocês adotam para instaurar essa mudança cultural?

Emily – Não existe um desafio maior do que tentar mudar hábitos do ser humano. Para isso, nós trazemos muita educação sobre sustentabilidade. A primeira compra do nosso produto é por sustentabilidade, a segunda é para conforto. É uma insegurança testar um produto novo menstrual por conta de vazamento, mas depois que elas usam, elas voltam para o conforto. Um estudo feito com a Johnson & Johnson mostrou que acima de 70% das entrevistadas falando que esqueceram que elas estavam menstruadas. Então é uma super liberdade e transformação da relação com o ciclo, porque é um período difícil. Se para cada mulher conseguimos trazer um pouquinho de qualidade melhor, esse impacto para ela é que faz a maior diferença para chamar outras mulheres para testarem. Esse produto funciona muito no boca-a-boca. É algo de confiança e atende pessoas que você confia e tem contato direto. Nós temos um engajamento também muito grande com conteúdo orgânico de influenciadores. Essa prova social acaba nos ajudando, porque não é publicidade. Isso traz muita credibilidade. Tomara que consigamos aos poucos fazer parte dessa mudança de mercado e de hábito também.

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