A caótica construção das marcas descentralizadas
Marcas ‘sem-cabeça’ querem transformar o CMO em Community Marketing Officer. Veja se você está pronto
Marcas ‘sem-cabeça’ querem transformar o CMO em Community Marketing Officer. Veja se você está pronto
Jonas Furtado
15 de março de 2022 - 9h28
Imagine você, CMO, respondendo por uma marca sob a qual não tem controle algum. Submetendo essa mesma marca aos caprichos e valores de milhares de pessoas com diferentes backgrounds. Se, de saída, já imaginou uma oportunidade exponencial para cocriar ideias originais e coletivas e definir estratégias, territórios e abordagens muito além do convencional, você está pronto para liderar o marketing de uma marca sem cabeça – ou melhor, descentralizada.
Caso tenha achado a ideia surreal e queira pensar um pouco, saber mais do que se trata, antes de encarar esse desafio com jeitão de roubada, vamos ajudar. O tema foi pauta de discussão em painel do South by Southwest, nesta semana, denominado “The rise of headless brands”. Veja abaixo um resumo. Ao final, faça o quiz, para ver se você tem estômago para construir uma marca ‘sem cabeça’.
1- Entendendo o conceito
Christian Ward, head of multimedia da Stylus Media Group, explicou que o termo “headless brands” é recente: apareceu pela primeira vez em outubro de 2019, em um artigo escrito por Bryan Lehrer, Laura Lotti, Sam Hart e Toby Shorin. De acordo com os autores, o termo foi criado para explicar as dinâmicas a mover a construção e a narrativa de marcas voltadas para comunidades que não tenham um corpo gerencial centralizado.
É um contraponto contundente ao branding tradicional (no qual as marcas são planejadas e criadas diretamente pelas corporações às quais pertencem), em movimento associado à ascensão das redes sociais, do conteúdo colaborativo e das trocas diretas entre pessoas sem a necessidade de intermediação que não seja tecnológica.
“A marca da moeda bitcoin é um ótimo exemplo dessa construção em comunidade, sem uma liderança estabelecida”, avaliou Ward. “Sem dúvida, para quem está acostumado a trabalhar tendo como responsabilidade o total controle sobre a marca, pode ser um processo discordante e caótico. Mas eu não diria que isso é necessariamente ruim”.
2- É tudo sobe os fandoms. Tudo mesmo
Para se trabalhar com uma marca descentralizada é preciso entender que você não está em busca de um público baseado em características demográficas, como são formadas as audiências. O negócio aqui, literalmente, é encontrar uma comunidade para a qual você possa ser relevante ao colocar sua marca a serviço e alcance delas. “Ao contrário da audiência, numa comunidade há interação entre as pessoas. Também há paixão. Esses elementos são indispensáveis para uma organização autônoma descentralizada (DOA)”, afirma Francesco D’Orazio, CEO da Pulsar, uma ferramenta inteligente para medição e engajamento de audiências.
Uma vez definida a comunidade, é hora de identificar e construir um relacionamento próximo com os fandoms – grupos compostos por especialistas em determinado assunto e ávidos por colaborar com a expansão daquele universo que cultivam em comum, seja criativamente, seja distribuindo conteúdo. São esses fãs comprometidos que realmente construirão sua marca e cuidarão desse ativo como se fosse deles – o que, na prática, será!
3 – Isso não faz sentido algum. Deixe-me totalmente fora, por favor
Sim, você pode manter as decisões de gestão da sua marca centralizadas, do ponto de vista legal e teórico, mas, na prática, o controle sobre todos os aspectos que ela envolve não passa de mera ilusão. Ainda que você não seja uma marca sem-cabeça autoproclamada, como a Glossier, a Exclusible ou a Wicked Sunday Club (que, em diferentes estágios, investem na geração de valor por meio da cocriação comunitária de produtos, conteúdo, campanhas e mesmo do próprio modelo de negócio), as intervenções anônimas e apropriações de formatos e ideias fazem parte do coração da internet, desde muito antes da ascensão da web 3, e estão aí para ficar.
“Muitos executivos de marketing não se sentem confortáveis com esse controle compartilhado, é compreensível. Mas, gostem ou não, isso já está acontecendo, todos os dias”, afirmou Nathali Brähler, chefe de marketing da Cartesi, citando como exemplo as variações e memes do não-tão-antigo-assim-mas-já épico anúncio da Nike com o jogador de futebol americano Colin Kaepernick. Ela inclusive cunhou o termo “Community marketing officer” como o mais correto para definir os responsáveis pelo marketing de uma marca descentralizada.
Para aqueles que não conseguem transgredir uma mísera linha do manual de marca, Nathali aponta ao menos um ponto positivo nos desdobramentos não autorizados da campanha da Nike. “As versões do público são bem consistentes, em termo de direção artística, estão dentro do sistema visual da marca”, ponderou. “Isso só pode ser bom”.
4 – Quizz: e aí, agora você acha que está pronto para chefiar uma marca sem cabeça?
Em primeiro lugar, é preciso descobrir a comunidade com maior identificação com a sua marca – os famosos fandoms, lembra? Se você não fez essa parte, volte para o item 2. Agora, se está certo de já ter encontrado a sua turma, responda ao questionário abaixo.
1- Você consegue cocriar com essa comunidade?
2- Você pode recompensá-los com ativos relevantes?
3- Você consegue torná-los coproprietários da marca?
4- Você consegue de fato descentralizar as decisões estratégicas?
5- Você consegue mesmo abrir mão do controle da marca?
Se as suas respostas foram SIM para todas as perguntas, você está realmente pronto para liderar uma marca sem cabeça.
Mas lembre-se de manter os pés no chão.
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