Publicidade

Futuro para quem?

. A embalagem pode ser arrojada, mas o colonialismo, ainda que em sua versão 3.0, continua firme e forte


18 de março de 2022 - 14h29

Crédito: M&M

Com o fim do SXSW e o retorno da delegação brasileira para casa, algumas dúvidas se impõem. A primeira delas é como traduzir a chuva de tendências que se viu em Austin ao contexto do nosso país. A segunda é: um grupo composto majoritariamente por pessoas privilegiadas vai dar conta deste recado?

Metaverso, NFTs e web3 foram alguns dos assuntos mais discutidos ao longo do evento. O futuro que se desenha é tanto promissor quanto sombrio, dependendo de quem olha. O que vai prevalecer depende das escolhas que fizermos agora.

Neste sentido, uma das contradições fundamentais do SXSW deste ano foi a de pensar o longo prazo num momento em que a emergência climática arromba nossa porta e a possibilidade de uma guerra nuclear volta ao noticiário.

No caso do Brasil de 2022, com economia cambaleante e ameaças constantes à ordem democrática, cabe a reflexão: futuro para quem?

O que se viu no SXSW muda a vida dos 19,1 milhões de brasileiros em estado de insegurança alimentar grave? Transforma as perspectivas dos 12 milhões de jovens que não trabalham nem estudam? Em caso positivo, como faremos isso?

As tendências indicadas por gurus e pelas big tech correm o mundo como verdades inquestionáveis, mas costumam ser pensadas a partir de um olhar norte-americano que ignora o que acontece em outras regiões, sobretudo as mais pobres. A embalagem pode ser arrojada, mas o colonialismo, ainda que em sua versão 3.0, continua firme e forte.

Se é necessário traduzir o que se viu no evento aos diferentes contextos, o questionamento de ordem ética que fica é se quem veio a Austin este ano tem as habilidades necessárias para a empreitada.

Mesmo circulando há anos pelo meio corporativo e pelo ambiente publicitário, não deixei de me surpreender com a cara da delegação brasileira: quase exclusivamente branca, heterossexual e sem deficiência. Numa das festas que reuniu a comunidade, o idioma mais falado era o “paulistãno”, o que denota, ainda, a falta de representatividade regional.

Pode-se dizer que o evento é caro e que acompanhá-lo depende de fluência em inglês. Verdade. Ao mesmo tempo, a maior parte dos presentes veio representando suas empresas, muitas delas engajadas com inclusão. Quais critérios foram utilizados para escolha dos participantes? Não me parece que se levou em conta a necessidade de trazer olhares diversos, críticos e, portanto, mais preparados para traduzir o SXSW às necessidades do Brasil.

O tema é incômodo e a primeira tendência talvez seja a de se ofender ou justificar seu mérito para estar aqui. Compreensível, mas não ajuda a avançar. Sem refletir sobre esses pontos, o SXSW vai continuar sendo aquela semana do ano em que nós, os modernos eleitos, viemos confraternizar no Pete’s enquanto entendemos para onde os países ricos, mas não necessariamente o Brasil, estão caminhando.

Publicidade

Compartilhe

Patrocínio