O Facebook é frágil
Estamos diante da formação de novos paradigmas digitais, redirecionando a web para a sua vocação autônoma e democrática, sem donos nem latifúndios virtuais
Estamos diante da formação de novos paradigmas digitais, redirecionando a web para a sua vocação autônoma e democrática, sem donos nem latifúndios virtuais
18 de março de 2022 - 9h48
O troféu fragilidade do SXSW 2022 já tem um ganhador inequívoco: é Mark Zuckerberg, o criador do Facebook/Meta, que tenta emplacar seu metaverso a todo custo na comunidade de inovação mais atenta do mundo, transformando-se em uma unanimidade nos quesitos incoerência e falta de empatia, uma verdadeira metáfora das big techs e seus planos de dominação virtual.
Os principais speakers presentes em Austin fizeram questão de cravar suas críticas. Tristan Harris, fundador do Center for Humane Technology, um dos principais entrevistados do documentário “O Dilema das Redes”, da Netflix, afirma que o homem contemporâneo está indefeso perante o mundo de “conspirações, fadiga digital, vícios, extremismo e polarização”, criado por redes como o Facebook.
Rohit Bhargava concorda. Em um painel que apresentou 10 Non Obvious Megatrends falou sobre a grande crise de confiança instaurada. “Existe muita fake news e isso está causando problemas no modo como interagimos. O Facebook te traz mais engajamento de coisas que você odeia.”
Catherine Eng, tecnologista desenvolvedora de XR premiada e co-founder da Our Worlds não usa mais a palavra “metaverso” depois que Zuckerberg se apropriou do termo. Ela prefere “realidade imersiva”, uma posição de distanciamento e crítica diante dos ideais duvidosos desse empresário.
Frances Haugen, ex-funcionária que ficou conhecida pelo público quando, no final de 2021, denunciou a Meta, defendeu o boicote de anunciantes nas redes de Zuckerberg e cravou: “O Facebook coloca, constantemente, experimentos nos indivíduos para ver se o conteúdo e o engajamento crescem. Estão aumentando nossa dopamina”, disse ela num dos painéis mais badalados.
Diante dos novos planos da empresa, a genial futurista Amy Webb, CEO do Future Today Institute, questiona: “Quem são as pessoas que estão construindo esses novos espaços? Eles estão otimizando os espaços para todos? E se os espaços do metaverso não forem interoperáveis? Quem decide os padrões? Quem está encarregado de policiar o metaverso? O que constitui assédio no metaverso?”
E, por falar em questionamentos, a jornalista filipina Maria Ressa, ganhadora do Prêmio Nobel da Paz, após ser provocada sobre qual seria a sua pergunta para Zuckerberg, não teve dúvidas: “Quando você assumirá publicamente a responsabilidade pelo que tem feito?”. Pergunta, aliás que todos nós gostaríamos de ter feito durante o festival.
Zuckerberg não passou nem perto de responder aos questionamentos de Ressa e Webb na sua frustrante participação no SXSW, composta de pura propaganda e autopromoção, levando muitos de nós a sair da sala porque esperávamos um mínimo de diálogo com a audiência de creators, brands, business decision makers, ativistas socioambientais e profissionais do marketing que ali estavam, ávidos por respostas.
Nosso Radar da Antifragilidade também foi implacável. No Workshop que realizamos no segundo dia do evento, captamos essa discussão “real time” por meio da percepção de 58 participantes que analisaram o Facebook em nossa ferramenta e constataram que ele é frágil. E muito frágil.
A avaliação do Radar se dá em oito inescapáveis dimensões para prosperar no contexto atual, com notas de 1 a 5 – variando do negacionismo ao ativismo. A nota 3, consciente, é o mínimo para que organizações, projetos e pessoas analisadas sejam consideradas antifrágeis.
Na dimensão de ‘Regeneração Socioambiental’, a rede foi identificada como quase negacionista, o que nos mostra o distanciamento com relação a temas como crise climática, ameaça à democracia, bias, etc. Os participantes também identificaram fragilidades no quesito ‘Propósito Alinhado com as Ações’ e ‘Posicionamento Ideológico Claro’, denunciando uma desconexão do FB com seu compromisso de origem que era conectar pessoas, transformando-se em uma máquina de polarização e fake news, apoiado em um discurso de liberdade de expressão, inclusão social e conexão humana totalmente desconexo com a prática empresarial.
Em ‘diversidade como potência criativa’, novamente a rede não é vista como engajada e quando vamos para ‘interdependência e colaboração’, percebemos aspectos relacionados à dominância e centralidade de uma big tech que se isola em seu castelo de algoritmos e resiste em desenvolver-se para fora, em ecossistema.
Sobre a ‘prontidão para disrupção’ da empresa – que seria sua competência em mudar, mudar e mudar – os comentários trouxeram a perspectiva que o FB se adapta e se transforma por fusão e aquisição e isso não necessariamente denota uma verdadeira flexibilidade. Podemos estar diante de um conglomerado disforme que, a qualquer momento, pode perder a mão. A única dimensão onde o FB foi percebido como forte foi justamente a ‘Mentalidade Digital’, mas vamos combinar, esse é seu core business. Porém, no Radar da Antifragilidade, mentalidade digital não é somente sobre o uso de tecnologias, mas tê-las como um meio para servir aos grandes desafios de evolução da sociedade.
Enfim, na emergência de uma infraestrutura tecnológica de desintermediação dos sistemas postos – representada pela web 3.0, blockchain, NFTs, DAOS e outros avanços nesta direção, temas muito quentes do festival este ano – o domínio autoritário e pouco transparente das big techs está em xeque.
A derrapada de Zuckerberg nesse SXSW demonstra que estamos diante da formação de novos paradigmas digitais, redirecionando a web para a sua vocação autônoma e democrática, sem donos nem latifúndios virtuais. E isso não é para um futuro distante. É #PraJá !!
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