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A difícil decisão de não dar o que seu consumidor quer

Em tempos de automação e algoritmos certeiros, o SXSW discute a responsabilidade de pensar menos no que é pedido hoje e mais nas mudanças que precisam ser projetadas para o futuro


15 de março de 2018 - 11h09

Marcas, veículos de mídia e governantes tiveram uma reflexão em comum no festival: como não entregar o que as pessoas querem quando você não está de acordo com os motivos ou com o que buscam?

Um exemplo bem emblemático aconteceu 7 meses atrás, quando o AirBnB cancelou reservas de neonazistas que iriam se encontrar em Charlottesville. Na ocasião, o posicionamento contundente gerou muitas discussões sobre o papel de marcas, principalmente tech companies. Uma decisão conflitante, já que o AirBnb teve que impedir algumas pessoas de viverem o propósito da marca – “Belong Anywhere” – com a justificativa de que esses consumidores impediam muito mais pessoas de fazerem parte de uma comunidade global.

Ali, os interesses iam a favor da maioria, contra uma minoria radical.

Mas no SXSW 2018 podemos ver a consolidação desse movimento e uma discussão que envolve, inclusive, ações contra a lógica da maioria dos consumidores.

A responsabilidade social das tech companies foi naturalmente um grande alvo e elas trouxeram algumas respostas.

A CEO do YouTube, Susan Wojcicki, anunciou no SXSW uma parceria com a Wikipedia, trazendo conteúdo complementar para vídeos massivos com informações falsas – até mesmo desmentindo o conteúdo disponibilizado. Comentou também a decisão de barrar a recomendação de alguns conteúdos clickbait, abrindo mão de engajamento e tempo de visualização de conteúdos. Respostas para o que está sendo cobrado.

O entrevistador Nicolas Thompson, que fez uma das melhores entrevistas do festival, aproveitou o gancho e questionou se o YouTube deveria recomendar incessantemente conteúdos de junk food, caso um usuário continue assistindo o tema. Susan foi evasiva, mas nos levou a uma discussão bem interessante: a desautomatização em tempos de automatização, intervenções, a responsabilidade de curar mais do que prover. Não oferecer literalmente o que as pessoas querem, mas a responsabilidade de projetar o sustentável.

Ezra Klein, cofundador da Vox News, também escolheu o assunto. Discutiu a necessidade de mudança das regras do jogo de algumas instituições. Admitiu a impossibilidade de abrir mão imediatamente de clickbaits, soltar notícias sem a profundidade necessária devido à correria da mídia, mas que busca protagonizar uma transição gradual para um modelo melhor.

O prefeito de Londres, Sadiq Khan, citou embates com a população em relação ao Uber, deixando claro que a opinião pública pode ser facilmente manipulada para criticar governantes que são contra a liberação desregulamentada, mesmo quando é tóxica para o mercado local.

Ética nunca foi tão discutida. E sou bem otimista, acho que todas essas discussões de líderes e formadores de opinião mostram um futuro promissor, além de uma janela de oportunidade. O momento em que casos mais pontuais, como AirBnB e até mesmo REI fechando as portas na Black Friday com #GoOutside, serão mais consistentes, configurando uma nova lógica muito mais sustentável por unir interesses de marca às mudanças que precisamos, compensando (e incentivando) atitudes contundentes da marca ou mudanças no modelo de negócio que colocarem o bem-estar das pessoas à frente do que, aparentemente, querem consumir.

Por isso, Google e Facebook já se beneficiam de decisões que, a princípio, poderiam ser vistas como contraintuitivas: abrir mão de receita e tempo. Engajamento é nobre, discursar sobre isso é brilhante.

Os líderes intelectuais abrem o caminho e, como sempre, são os primeiros a se mover. Eles serão os protagonistas da mudança e os que mais se beneficiarão dela.

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