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Palavras que contam

A história sobre o assédio sexual e moral sofrido por Susan Fowler e a resistência das mulheres que do movimento MeToo, que ajudam a definir novos parâmetros do que é ou não aceitável nas corporações


10 de março de 2019 - 22h28

Quando Susan Fowler resolveu contar em seu blog sua história sobre o assédio sexual e moral sofrido por ela no Uber, ela tinha muito a perder. Primeiro, a sua carreira como engenheira de software em empresas de tecnologia no Vale do Silício. Afinal, todas as pessoas que ousaram expor problemas similares anteriormente, nunca mais voltaram a trabalhar no setor. Segundo, sua privacidade. Não é fácil para nenhuma vítima de assédio sexual falar sobre o que sofreu. Há sentimentos de vergonha e constrangimento, que foram também sentidos por ela. Sem falar em retaliações ainda piores que poderiam ser sofridas por ela ao expor executivos poderosos e ricos, de empresas renomadas e celebradas no mercado. Contra tudo isso, Susan, uma jovem mulher de 27 anos, com cara e jeito de pessoa frágil, mas com voz e ação de uma gigante e invencível guerreira, decidiu que era necessário falar.

Para ela, as razões estavam mais do que claras. O mundo cooperativo sempre buscou abafar os casos de assédio e, com isso, as informações não chegavam às pessoas que mais necessitavam delas. Histórias sobre pessoas e empresas a serem evitadas, até eram compartilhadas em redes secretas, apelidadas de “sussurros”, mas que eram acessadas apenas por mulheres com posições mais seniors nas corporações e, portanto, não com as jovens entrantes no mercado, aquelas mais expostas a essa violência. Susan deve ao falecido pai o interesse pela leitura e leu assiduamente mestres da filosofia como Kant e da literatura clássica, como Dostoiévski. Por aí apreendeu cedo sobre o poder transformador da palavra, sobre a força que uma história pessoal relatada tem sobre as pessoas e as emoções que elas são capazes de despertar.

Assim foi com a história de Susan Fowler, relatada em seu blog pessoal no início de 2017, onde ela expôs nua e cruamente o ambiente tóxico e agressivo existente no Uber. Seu relato desencadeou em varias outras ex-funcionárias da empresa expondo também as suas histórias de assédio sofrido na empresa e foi, em última instância, responsável por uma enorme reorganização na companhia, que culminou com a saída do CEO e fundador, Travis Kalanick. Mais do que isso, Susan se tornou um dos ícones de resistência para as mulheres que sofrem abusos, que se concentraram em torno ao movimento MeToo e que vem ajudando a definir novos parâmetros do que é ou não aceitável nas corporações e no mundo, quando se fala em assédio sexual e moral.

Susan, que faz questão de dizer que sua primeira função na vida não é ser uma ativista (hoje ela é editora do New York Times e ajuda pessoas a contarem suas histórias de lutas pessoais como as dela no jornal) busca encorajar as pessoas a não se calarem e a, com isso, ajudarem a mudar o mundo. Ela reconhece que não é um processo fácil e nem rápido. O trabalho de muitas pessoas que lutaram por direitos das mulheres no passado, ajudou a viabilizar o resultado que hoje a sua história produziu. É inegável, contudo, que Susan tem a sua estrela, é uma dessas pessoas predestinadas a serem agentes da transformação e de um mundo novo, menos tolerante com as injustiças e, em última instância, um mundo melhor para se viver.

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