11 de março de 2019 - 12h54
Eliza teve um sonho. Acordou com um desenho que representava o arco narrativo para o documentário que vinha tentando colocar de pé sobre os movimentos estudantis que ocuparam escolas em todo o país em 2015. Uma espiral que começava, ou terminava, em uma linha reta vertical, com uma linha horizontal na outra ponta. A linha representava o começo de um sonho nas jornadas de junho de 2013, contra o aumento das tarifas de transporte público, ou o fim dele, em 2018, com a eleição de um presidente que prometia ataques à bala a movimentos sociais. A espiral representava toda o emaranhado de histórias que ouviu das pessoas que participaram do movimento estudantil, a tentativa de tentar compreender uma nova geração.
Eliza nasceu na ditadura. Não entendia os adolescentes que vinham de uma geração diferente da sua. Estudantes de escolas públicas, em sua maioria de classes mais baixas e moradores de periferia, que cresceram no Brasil do otimismo econômico. Quem eram eles, como foram capazes de se organizar e se movimentar daquele jeito? E como esse movimento os transformou?
Conheço essa obsessão. O desafio de entender públicos heterogêneos, em contextos desafiantes, com o objetivo de tentar entender seus sonhos e necessidades, e como se conectar com eles. No caso de Eliza Catai, o esforço em tentar representá-los nessa luta por uma educação pública igualitária e de qualidade deu origem ao filme “Espero tua (re)volta”, que ganhou dois prêmios no Festival Internacional de Cinema de Berlim, o prêmio da Anistia Internacional e o da Paz, além do convite para falar dele no SXSW, no Dia Internacional da Mulher.
A beleza do documentário contado por Eliza para uma plateia majoritariamente brasileira tem a ver com essa fixação em trazer o ponto de vista dos estudantes para a narrativa. Uma jornada coletiva de descoberta de suas identidades, em um contexto turbulento. Como Marcela, 15 anos na época da filmagem conta, “a ocupação deu um espaço que a gente nunca teve na escola. Organizamos rodas de conversas sobre feminismo, sobre machismo, sobre racismo”.
Como se não bastasse, o filme ainda evoluiu como experiência interativa, em que a audiência pode escolher o narrador (homem/mulher, branco/negro, autônomo/afiliado a um grupo), fazer escolhas pelo protagonista e até o desfecho da história. Uma maneira esperta de tentar forçar as pessoas a se colocarem no lugar desses estudantes.
“Espero tua (re)volta”, assim como a ambiguidade poética do título sugere, guarda diferentes lições. É sobre “contação” de histórias, de como a obsessão por encontrar as verdades das pessoas importa, mas a obsessão em contá-las do jeito correto é essencial nessa jornada. Também é uma história do Brasil recente, sob as lentes dos estudantes de escola pública, uma odisseia de esperança e desilusão. E é ainda um filme que traz pistas de como repensar o sistema educacional público do brasil.
Nesse contexto de SXSW, em que tanto se fala de futuro, escolho refletir sobre uma geração que pouco teve a oportunidade de contar o seu lado da história. Em como vão seguir construindo um projeto de país, desejando que tragam mudanças e realizem seus sonhos nas faculdades que ingressarem, nas empresas que entrarem, nas comunidades que escolherem fazer parte. E faço com uma esperança profunda de que seja apenas o começo, não apenas de mais um sonho, mas de uma melhor realidade.
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