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Design para os outros um bilhão

Cada vez mais percebo como criamos produtos, serviços e marcas para uma parte muito pequena da população mundial


15 de março de 2019 - 9h45

 

(crédito: PeopleImages/iStock)

Assistindo a uma palestra do Kiran Kaja, Gerente de Programas de Acessibilidade da Google, cada vez mais percebo como criamos produtos, serviços e marcas para uma parte muito pequena da população mundial (por sinal, o Kiran tem deficiência visual). O título era Designing for the Other Billion Users, onde foram apresentadas ferramentas do Google, que foram concebidas utilizando os princípios de Design Universal, em que todos podem usar tudo – pessoas com algum tipo de deficiência ou não, sem distinção.

Um bom exemplo disso é o comando de voz do Google Home, que muitas vezes pode nos parecer mais complicado ou não usual para assistir um vídeo. No entanto, para uma pessoa com algum tipo de restrição de movimentos da mão, ele pode ser a diferença entre acessar ou não o conteúdo. Só quando vemos alguém se utilizando destas ferramentas de forma viável é que a ficha cai. E aí, como designers, vislumbramos um mundo sem fim de possibilidades.

E se não for pela empatia, podemos analisar pelo menos o lado business da história: há no mínimo 8 trilhões de razões* para se projetar algo focado ou que considere pessoas com algum tipo de deficiência. É que, vejam só, o mercado que foca apenas na população mundial que possui algum tipo de deficiência, permanente ou temporária, é estimado em 8 trilhões de dólares. Só pra citar mais um dado, há mais pessoas daltônicas do que falantes nativos de inglês no planeta. Não é pouca gente.

Em contraste, ainda é comum nos depararmos com comentários de clientes que questionam se, de fato, deficientes seriam usuários de algum novo produto ou serviço, como se eles não existissem ou consumissem. São, na verdade, pelo menos mais de um bilhão de consumidores em potencial, e que, de uma forma ou de outra, não costumam ser contemplados na concepção de novos produtos ou serviços.

Dentro desse contexto, faço então a tradução para outros milhões não contemplados, desta vez no Brasil. Temos uma enorme população que está fora dos grandes centros e que vive um estilo de vida que não é o que nós, designers e criativos em geral, estamos acostumados a considerar nos nossos projetos.

Pode até ser ingênuo colocar no mesmo lugar a necessidade de se projetar pensando em pessoas com algum tipo de deficiência, mas, na prática, se estamos pensando em design para todos, temos que sim considerar no caso do Brasil o que chamamos de Brasil Profundo. Aquele Brasil que não tem as mesmas referências e estruturas de suporte de uma cidade como São Paulo ou Porto Alegre. Aquele país onde internet é apenas sinônimo de WhatsApp. Aquele que não tem as referências hipsters que tanto amamos, mas que tem outras experiências e histórias com um valor incalculável.

Temos que incluir pessoas com deficiência (motora, visual, intelectual, etc.) nas nossas pesquisas para geração de insights, mesmo que elas não sejam o público-alvo. Aliás, infelizmente, elas não costumam ser. A questão é que, na prática, elas são consumidoras como qualquer um. Precisamos considerar o contexto de vida, de suporte tecnológico e de referências não só dos moradores de Pinheiros, em São Paulo, mas também de Sapezal, em Mato Grosso (fizemos isso com muito sucesso num projeto no ano passado), e muitas outras cidades longínquas deste Brasil tão grande. Precisamos projetar para os outros milhões ou bilhões, mesmo que isso não esteja no briefing. É nosso papel. É nosso dever.

*Queria ter criado essa analogia, mas ela é do Kiran mesmo.

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