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Repercepção: o tema de Amy Webb no Tech Trends deste ano

A futurista enfatizou como a inteligência artificial, o metaverso e a biologia sintética estão mudando a percepção humana da realidade

Roseani Rocha
13 de março de 2022 - 20h14

Rever percepções sobre a realidade deve ser um exercício diário, propôs a futurista Amy Webb (Crédito: Roseani Rocha)

“Precisaremos redefinir o que é real”, foi uma das conclusões da futurista Amy Webb na apresentação que fez a um auditório lotado no Convention Center na manhã do domingo, 13. Mas a fundadora do Future Today Institute iniciou sua palestra fazendo uma dinâmica com a audiência, aplicando o experimento chamado “A vaca de Dallenbach”, em que apenas fragmentos de uma foto de uma vaca são exibidos e as pessoas têm dificuldade em perceber do que se trata (à primeira vista, parecem apenas uns borrões pretos num fundo branco). E quando ela diz que se trata de uma vaca, alguns dizem não acreditar ou não concordar. Mas depois de traçados alguns contornos, “passam a ver”. O objetivo de Amy foi mostrar a importância da “Re-percepção” das coisas, porque segundo ela a razão pela qual muita gente não poder ver aquela figura é a mesma de não verem trends emergentes, ou seja, algumas coisas aparecem fora de modelos com os quais estamos habituados. “Se vocês lembrarem disso, daqui em diante lembrem-se de questionar suas suposições de como os negócios funcionam, olharão tendências com mais curiosidade em vez de imediatamente dizer ‘não’ e verão novas oportunidades, novos riscos. Precisamos praticar a repercepção todo dia”, instigou. Acrescentando que “repercepção” é uma qualidade dos bons gestores e ajuda a lidar com ambiguidade e incerteza, além de explorar novos territórios.

Depois disso, lembrou que o Tech Trends Report está em sua 15ª edição, analisando 574 tendências de tecnologia e ciência, que resultaram em 14 relatórios. De todo esse universo vasto, ela se concentrou em três grandes tendências: Inteligência artificial, Metaverso e Biologia Sintética, lembrando que tendências não são suficientes, mas ajudam a traçar cenários estratégicos que ajudam a ver alternativas e influenciar o futuro. Exaltou a necessidade de atuar nessa frente para, por exemplo, evitar o aumento da temperatura global em 2º Celsius e os efeitos catastróficos que isso terá.

Já sobre a primeira tendência discutida com o público do South by, a Inteligência Artificial associada a reconhecimento e vigilância, pontuou o quanto a AI está alterando a percepção humana da realidade e o quanto evoluiu de 2012 para cá. Se em 2019 ao pedir para uma AI desenhar um gato, apareciam criaturas meio disformes, em 2022 já não se pode praticamente distinguir o que é a foto de um gato de verdade e o que é um criado por AI. Também destacou que a AI já pode inferir o que alguém diz e produzir exemplos visuais. E faz isso com muitos dados. “Só que vocês são os gatos agora”, brincou com a plateia, acrescentando que uma AI pode reconhecer uma pessoa por seu batimento cardíaco ou padrões respiratórios”. Isso faz com que estejamos num momento em que AIs podem assumir tarefas e tomar decisões, em níveis muito mais complexos e multicamadas. “Estamos perto do momento em que Ais poderão tomar suas próprias decisões sem a interferência humana”, disse Amy, para quem a AI está mudando a forma como nos comunicamos e pesquisas serão baseadas em saber, de antemão, o que uma pessoa quer. E a AI será tão desenvolvida, que impossível distingui-la da inteligência não artificial. Também não precisará ver o rosto de alguém para reconhecê-la, porque pode detectar e replicar emoções em tempo real.

E como costuma fazer, traçou dois cenários para essa tendencia, no caso para 2027. No otimista, o mundo poderia ser um lugar de transparência total, o serviço de pesquisa muito melhor e mais intuitivo e visual. Tarefas seriam automatizadas e os dias mais produtivos. No catastrófico, problemas de 2022 seriam exarcebados. A desinformação que existe agora seria multiplicada em forma de vídeos desenvolvidos por AI, que nos fariam acreditar no que quisessem. Haveria falta de transparência e o aumento da “revenda” de dados. E a má notícia é que ela enxerga as probabilidades de 20% para a otimista e 80% à catastrófica.

No âmbito do metaverso, disse, estamos todos “perseguindo o brilho”. A próxima geração da internet é real e importante. Mas “colecionáveis digitais” não são uma tendência de longo prazo. O metaverso é um nome bacana, disse, para todas as tecnologias entre o mundo físico e o virtual. Em breve, os óculos de VR serão semelhantes a um par de óculos normais. E com a nova infraestrutura da internet, tendo o 5G como base, as experiencias digitais serão mais sensoriais e imersivas. “A interface será mais humana, mas em vez de usar muito nosso corpo, os dados é que farão isso”, disse, ressaltando como essa nova fronteira está agitando grandes players do mercado, o que levou o Facebook a mudar o nome para Meta e a Square para Block, em alusão ao blockchain. O metaverso é parte da web 3.0, a terceira geração de evolução de infraestrutura digital e criará uma oportunidade para os dados fluírem em uma “infinidade de dimensões”.  Os humanos digitais serão muito mais realistas e haverá “diferentes versões de nós mesmos” – o que Amy brincou que já existe, uma vez que as pessoas são uma versão no LinkedIn, diferente da do Instagram ou do Tinder. Terão ainda mais que criar versões diferentes de si, o que é pior que o dilema atual de decorar muitas senhas. Ainda assim, o metaverso promete oferecer uma coisa importante: uma identidade única baseada em fragmentos de características que são únicas em uma pessoa para autenticar quem ela é de forma permanente e verificada. Governos e instituições financeiras estão mapeando isso que é muito recente – e a canadense SecureKey já está trabalhando nisso. Um mesmo indivíduo no trabalho poderá ser uma pessoa, num date outra, nas compras, experimentar um par de tênis digitalmente e, depois, ter o objeto real entregue em sua casa. As únicas coisas reais seriam as informações bancárias, que número calça e endereço de entrega, sendo que hoje há muitos dados usados por terceiros numa transação de compra e venda, disse. Amy Webb também comentou impacto do metaverso no mundo do trabalho e como oportunidades de monetizar até as casas conectadas irão surgir num futuro breve.

Tendo 2032 como limite temporal, Amy Webb pontuou que a visão otimista será uma  web 3 descentralizada, novas formas de segurança e os consumidores em controle de seus dados. Já para a pessimista, usou uma foto de Simon Leviev, que motivou o documentário “O golpista do Tinder”. Nesta trend, a proporção ficou de 30% para o otimismo e 70% para a catástrofe.

Por fim, em Biologia Sintética, destacou questões como o fato de já ser possível printar novas moléculas de DNA do zero, o que ela disse já está acontecendo. Nessa frente, destacou que Cingapura, um país que tem pouco território para abrigar fazendas e estruturas do tipo, já está produzindo e vendendo “carne de frango de laboratório”, e não se trata de nenhum produto “plant based”, podendo virar uma exportadora do produto em breve. Além disso, destacou que a biologia sintética poderá fazer coisas como o envelhecimento virar “uma patologia que tem tratamento” e que as pessoas já podem fazer um sequenciamento genético nos EUA por US$ 99, o que é a metade do preço dos AirPods, da Apple (e destacou que o governo chinês é quem mais tem acesso ao DNA de todas as pessoas, no mundo).

Amy ainda comentou que pesquisas estão a caminho de fazer embriões humanos geneticamente modificados para corrigir erros que poderiam mesmo fazer com que não nascessem e que uma tecnologia emergente chamada gametogênese in vitro (IVG) em breve permitirá que casais do mesmo sexo tenham criem um bebê usando seu próprio material genético, em vez de apelar para doação de óvulos ou espermatozóides.

Por outro lado, a biologia sintética também levará tornar agricultura muito mais vulnerável a cyber ataques e levar a novos conflitos geopolíticos. Assim, uma próxima guerra poderá ser biológica. Isso levanta questões inclusive no âmbito do marketing: “Uma companhia deveria usar DNA para fazer marketing ou em consumer insights?”.

Para essa trend, Amy Webb usou como marco temporal o ano de 2037, dizendo que pelo cenário otimista, até a morte poderá ser algo mais opcional, tudo poderá ser mudado geneticamente, haverá novos tipos de computador, fazendo mais tarefas e existiria uma colaboração global. Já o outro lado da moeda, poderia ser crise climática, falha em usar biologia sintética como ferramenta; vazamento de dados e hackers atuando biologicamente. Para Amy, nesta trend, as probabilidades são de 50-50%.

Ao final, deixou algumas conclusões para serem refletidas por todos: 1. Estamos num período de aceleração; 2. Preconceitos ainda persistem e precisamos arrumar isso; 3. Decentralização beneficiará alguns e não todos; 4. Não temos grades de proteção ou planos nacionais; 5. Precisaremos redefinir o que é “real”.

Com o tempo já estourado, Amy deixou como mensagem final à plateia que usem sua “repercepção” no dia a dia e fez o convite para uma sessão de autógrafos do livro The Genesis Machine – Nossa busca por reescrever a vida na era da biologia sintética, que escreveu a quatro mãos com Andrew Hessel.

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