Afinal, por que resistimos às mudanças e nos protegemos da inovação?
Nossos mecanismos cerebrais e nossa experiência histórica nos alertam constantemente dos riscos, incertezas, acidentes, má intenções e desfechos indesejados
Nossos mecanismos cerebrais e nossa experiência histórica nos alertam constantemente dos riscos, incertezas, acidentes, má intenções e desfechos indesejados
18 de março de 2021 - 18h54
No início de 2020, acompanhando todas as notícias internacionais sobre o alastramento da então epidemia de Covid-19 em outros países, busquei alertar amigos e familiares sobre a mudança brusca que se avizinhava em nossas vidas. Minha mãe e minha sogra, jovens senhoras intrépidas, tinham viagens marcadas para a China e a Índia. Tentei demovê-las de todas as formas dessas ideias. Para meu desespero, até o último momento, elas se negavam a acreditar na necessidade de mudar os planos.
Podemos estender essa resistência para diferentes momentos das nossas vidas pessoais e coletivas: quando surge uma nova tecnologia; quando é anunciada uma nova regra do condomínio; quando é decretada uma nova lei municipal; quando é introduzido um novo processo na empresa; quando é divulgada uma informação que contradiz o que já conhecíamos antes e por aí vai.
Por que resistimos tão instintivamente à mudança? E por que temos tanto medo da inovação, que necessariamente começa com alguma mudança?
Para debater essas questões, o SXSW 2021 reuniu duas mentes capazes de traduzir os mais complexos conceitos da ciência e da filosofia para um grande número de pessoas comuns como nós: o historiador e filósofo Yuval Noah Harari, e a neurocientista Mayim Bialik, que fez sucesso interpretando uma nerd arquetípica no seriado The Big Bang Theory.
Com estilos muito diferentes de popularidade, Malik e Harari chegaram ao grande público por suas habilidades de contar histórias: ele, em best-sellers como “Sapiens – Uma breve história da humanidade”, recentemente adaptado para os quadrinhos; e ela, em programas de TV e em seu podcast Mayim Bialik’s Breakdown. A abordagem de Harari traz em geral a perspectiva histórica, seus dilemas éticos e chamados urgentes para melhores tomadas de decisão, sobretudo no que fiz respeito à inovação e à tecnologia. Já Malik compartilha uma visão científica sobre as descobertas e os mistérios do funcionamento do cérebro humano.
Numa rara mensagem de alívio, Yuval garante: “As pessoas ainda vão se abraçar. A Aids não matou o sexo. A Covid não matará os abraços. Nós voltaremos a nos abraçar quando tudo isso tiver passado. Isso não morrerá”. Mas acrescenta que a Humanidade tem motivos para temer a mudança e a inovação: 99% das mutações genéticas são ruins para humanos, apenas uma pequena parte nos favorece; e o resultado imediato das grandes revoluções, rápidas e bruscas, trouxe mais miséria do que felicidade para a maioria das populações.
Outros componentes importantes da resistência humana à mudança são a desinformação, as notícias falsas e as teorias conspiratórias que parecem ter virado um vírus que se alastra mais rapidamente que a própria Covid-19 atualmente. “Por que uma pessoa pode ser racional em vários aspectos e completamente acrítica em outros?”, questiona Harari.
Segundo Malik, não existe um “assento” para a ética no cérebro humano. Nas últimas décadas, houve uma grande evolução sobre o entendimento do órgão, que permitiu inclusive entender como algumas ações são coordenadas por partes específicas do cérebro. Mas, explica ela, não existe uma equação exata para explicar a origem de ações éticas ou solidárias, por exemplo. “Precisamos de um antivírus para o cérebro”, brinca Harari.
A ética é justamente um dos temas mais presentes em toda a obra de Harari. Em linha com Amy Webb no seu livro “Big Nine”, ele questiona duramente o fato de os programadores responsáveis por construírem o mundo digital no qual estamos vivendo não terem qualquer formação em disciplinas de ética, como é o caso dos médicos.
Ele alerta ainda para os perigos da ingenuidade na criação de novas soluções tecnológicas: “A forma como desenvolvemos tecnologia é uma escolha nossa. Quem está desenvolvendo algo deve parar e pensar por um momento como a pessoa que ele mais despreza no mundo poderia usar o seu invento. E aí, volte para sua obra e talvez dessa reflexão surja uma maneira um pouco diferente de desenvolver sua inovação”.
Em resumo, nossos mecanismos cerebrais e nossa experiência histórica nos alertam constantemente dos riscos, incertezas, acidentes, má intenções e desfechos indesejados que muitas vezes vêm junto com as transformações. Mas a boa notícia é que nunca estivemos tão preparados como civilização para lidar com mudanças, mesmo do porte da pandemia: “Se falharmos, não é porque se trata de uma lei da natureza infalível. É porque sofremos uma total ausência de sabedoria política. Espero que isso nos faça entender o quanto somos responsáveis pelo nosso próprio futuro como espécie”.
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