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Austin, saudades do que a gente não viveu ainda

São tempos estranhos e pode até ser que a gente ainda caminhe no rumo de experimentos virtuais de melhor qualidade, mas essa ideia não nos parece o mundo em que gostaríamos de viver


18 de março de 2021 - 19h02

Em 2021, os organizadores do festival se viraram do jeito que deu e esse esforço resultou no SXSW Online, uma experiência digital. A julgar pela quantidade inacreditável de palestras, shows e eventos, tal esforço deve ter sido monumental. Além disso, todos devem imaginar o tamanho do desafio de proporcionar uma experiência digital satisfatória. Há uma quantidade surreal de informação e conhecimento sendo compartilhada e as pessoas parecem genuinamente engajadas nessa tarefa.

(Crédito: Mitchell Kmetz/Unsplash)

No entanto, devemos admitir que a experiência digital do festival é, no mínimo, frustrante e pode até ser, em alguns casos, dolorosa. Convenhamos que a vida não está fácil para ninguém, mas, para o brasileiro, a coisa parece um pouco pior. Estamos exaustos, e acompanhar as notícias das últimas semanas gera ainda mais desgaste. Ou seja, o experimento “brasileiro-distópico-pandêmico” não vai contribuir em nada para o seu humor quando você for baixar mais um aplicativo no celular e se conectar com Austin por uma telinha. Faz pelo menos um ano que trabalhamos praticamente de forma remota, fazemos reuniões via Zoom, utilizamos aplicativos, ouvimos áudios intermináveis de WhatsApp e fazemos mais reuniões. A ideia de entrar em mais uma reunião de Zoom chega a provocar calafrios, mas os boletos continuam a chegar. Respiramos fundo e seguimos. Portanto, a ideia de acompanhar o festival remotamente já é, de largada, não muito excitante. Na maioria das vezes, a sensação é de estar assistindo a uma reunião de Zoom e estar meio por fora da galera. Os participantes estão em suas casas e a qualidade de áudio e vídeo é abaixo da expectativa. Se a sua conexão apresentar problemas, então você provavelmente terá que rever a vinheta de apresentação do festival (again and again). Você enfrentará sentimentos desagradáveis de ansiedade, desconexão e, por que não dizer, tédio. Você será “impactado” por propagandas e vinhetas dos parceiros e patrocinadores. Nos perguntamos, enfim, qual é a grande novidade.

Não nos entenda mal. As tecnologias disponíveis e as oportunidades são inúmeras. Tenho certeza de que alguém, em algum lugar, está desenvolvendo um aplicativo incrível ou uma plataforma genial que vai mudar nossas vidas, nosso comportamento, e criar mais oportunidades para as marcas e, de quebra, construir um mundo melhor. No entanto, na nossa opinião, o espetáculo não vale o ingresso. Seja lá o que for o futuro (e ninguém parece saber ou compreender exatamente que bicho é esse), acreditamos que o momento é de muita confusão. Todas as tendências ou iniciativas de querer saber ou prever, por exemplo, como será o mercado do entretenimento, ou como serão os shows de música, ou como iremos engajar pessoas de maneira mais autêntica, esbarram em questões cruciais para a humanidade. Que tipo de futuro queremos? Qual é a nossa ideia para a ex periência humana?

Por décadas, o festival promoveu o encontro de jovens talentos, excitados, cheios de paixão e de sonhos, explodindo de hormônios e de vontade, englobando o universo da música, dos filmes, da tecnologia e uma pitada política. E, muito provavelmente, esta seja a ideia primordial do evento: a promoção do encontro humano, do contato físico. O ritual do encontro é como a cultura, tem um caráter fundamental, básico. Como diria Herzog, o cineasta: “Se você quer ser um artista, precisar ler muito e andar a pé. Quando você anda a pé, o mundo se revela para você”. Acontecem coisas que você não esperava. Nunca fomos a Austin, mas imagino que essa é a grande qualidade do festival. Ele permite que você pegue um avião, vá até o calor do Texas e se perca por ali. Mude os seus planos iniciais, esbarre com pessoas, fique bêbado e, quem sabe, se surpreenda e tenha uma experiência inesquecível.

São tempos estranhos e pode até ser que a gente ainda caminhe no rumo de experimentos virtuais de melhor qualidade, mas essa ideia não nos parece o mundo em que gostaríamos de viver. Não me parece que isso será saudável para a experiência humana.

P.S.: Ah, assistimos a um filme independente de uma diretora norueguesa que foi “vaibe”: Ninjababy (2021). Segue o trailer:

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