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O futuro das conexões humanas

Bem-vindo à pandemia da solidão. Ironicamente, talvez você não esteja sozinho nessa


19 de março de 2021 - 15h24

Quando falamos sobre o futuro, é normal que nossa primeira imagem sejam Os Jetsons voando por aí, com robôs em todas as partes e viagens intergalácticas. Quando falamos sobre o ser humano no futuro, é possível que a referência imediata seja Matrix, ou qualquer outro filme com um roteiro profundamente distópico. Ninguém está particularmente animado com o futuro nesse momento. O que normalmente esquecemos, no entanto, é que o futuro não é um lugar para onde vamos, e nem mesmo é um caminho que começa no presente: para chegarmos ao futuro, precisamos olhar para o passado.

(Crédito: Ktsimage/ iStock)

Ainda em 2019, quando ninguém além de Bill Gates imaginava uma pandemia causada por um vírus, alertas começaram a surgir por todo o mundo sobre uma ameaça muito mais abstrata: a solidão. Os dados (sempre eles) não revelam se nossa geração se sentia mais solitária que as anteriores, mas de que vale uma série histórica quando 46% da população americana e um terço da população britânica se declaram irremediavelmente solitários no presente? Os índices se repetem ao redor do globo e solidão é uma condição frequentemente conectada com graves sintomas físicos, incluindo maior predisposição a doenças cardíacas, derrame, câncer e Alzheimer.

Acelere para 2020, e veja uma população com tendências ao isolamento e, portanto, predisposta à solidão, se deparar com a obrigatoriedade de adotar este comportamento. Casos de depreciação da saúde mental excederam qualquer tipo de recorde em um momento onde o mundo convivia com uma grave divisão social, fazendo com que a dissociação das pessoas em relação a suas comunidades se ampliasse consideravelmente (mas se puder, fique em casa).

A importância de pertencer
Vanessa Mason é diretora de pesquisa no Institute For The Future, onde é responsável por realizar estudos na área que chama de “Futuro do Pertencimento”. Em sua apresentação no SXSW deste ano, “Startups That Are Re-Thinking the Future of Belonging”, Vanessa abordou a importância do pertencimento, de fazer parte e se identificar com algo. Pertencer está relacionado à segurança e conforto, tanto físico quanto psicológico; a possuir uma conexão emocional com aquilo que é externo a você; e à sensação de propósito e de enxergar propósito no mundo.

E é aí que entra a tecnologia: pertencimento é algo que ocorre por meio de conexões intencionais, e o que temos visto é justamente o desenvolvimento de startups cujos modelos de negócio estão diretamente conectados a necessidades humana relacionadas a fazer parte de algo. Identidade, por exemplo, é um elemento fundamental que vem sendo contemplado, por exemplo, por iniciativas de gestão de identidade virtual e interfaces cerebrais; Localização, como espaço de reunião, vem ganhando soluções como o Clubhouse e shows no Fortnite – até o SXSW criou sua própria experiência XR; e relacionamentos, que vêm sendo trabalhados em dispositivos hápticos (como o novo DualSense, controle utilizado pelo recém-lançado PlayStation 5). “A tecnologia é um poderoso motor de crescimento econômico, mas é também um poderoso motor de transformação do comportamento humano”.

A humanidade descentralizada
Alguns dos temas de discussão de Vanessa Mason, como Redes, Comunidades, Narrativas e Cultura ganham uma outra dimensão quando observamos outros painéis, como o “Can Decentralized Organizations Exist?”, de Zayi Reyes (Unstoppable Domains) e Kseniya Lifanova (Upstate Interactive), que abordaram a existência e operação de organizações (corporativas ou não) totalmente organizadas via Blockchain. Autogovernadas e sem estrutura hierárquica, as DAOs (Decentralized Autonomous Organizations) são capazes de reunir pessoas em volta de um mesmo propósito, com igual participação, voz e poder de voto, onde a única legislação aplicável é o código fonte. Esse tipo de organização descentralizada, igualmente compartilhada por seus membros, é ideal para a preservação de culturas, formação de comunidades e aproximação de pessoas por meio de uma rede totalmente integrada.

A tecnologia centrada nas pessoas
Se os painéis anteriores abordavam a possibilidade de utilização de tecnologias em prol das pessoas, as falas da conferência “Responsible Innovation: Move Fast and Fix Things” deixam claro: inovação responsável, inclusive tecnológica, não apenas é um esporte em equipe que deve considerar a todos, mas é também uma forma de devolver valor para nossas comunidades. Os palestrantes Ed Doram (Diretor, Microsoft), Wally Brill (Head of Conversation Design Advocacy & Education, Google), Karin Giefer (Amazon) e Chioma Ume (Senior Design Researcher, IDEO) apontaram que precisamos sim nos mover de forma muito rápida em algumas coisas, como o Aquecimento Global, mas que a postura de “quebrar coisas” (que soa muito funcional pra quem está acostumado aos ciclos do modelo de lean startup) pode na verdade estar fazendo com que nos movamos mais devagar. “Quando você deprecia um produto, ou deixa de disponibiliza-lo apenas para atender ao seu processo, você está isolando ou privando um determinado grupo de pessoas”. “Nós não sabemos as respostas, e precisamos que as pessoas nos deem essas respostas”. Não é apenas sobre ir mais longe ou mais rápido, mas irmos juntos.

A sociedade em rede
Unidade e o poder da integração foi justamente o tema dos painéis “Adaptable Cities: Tech & the Urban Evolution” e “Data-Led Governance: How Communities Inform Cities”, que explorou não apenas de que forma as comunidades se organizam e dão origem/transformam suas cidades, mas como a implementação de recursos tecnológicos nos permite repensar por completo a estrutura das relações sociais, dos modelos de governo e até mesmo do acesso aos recursos e iniciativas públicas. “Imaginem as possibilidades, o que poderia ser feito se os sistemas e os serviços de uma cidade fossem descentralizados, se as pessoas tivessem a tecnologia necessária para vender energia entre si, por exemplo”, se referindo ao estado de calamidade atingido por diversas cidades no estado americano do Texas, onde uma nevasca no início deste mês deixou grande parte do estado sem energia, água corrente ou aquecimento devido à estrutura centralizada de estradas e linhas de transmissão de energia.

A tecnologia a serviço do mundo
Em uma rápida conversa na tarde desta quinta-feira, Vivek Murthy (ex-General Surgeon dos Estados Unidos) e Fred Dust (ex-Global Managing Partner, IDEO) falaram sobre “Connecting Communities with Creative Conversation”, uma discussão que evoluiu para a capacidade que determinadas tecnologias possuem de ajudar o mundo, como o uso de programas de identificação facial que auxiliam no monitoramento e contagem de espécies em extinção, e na interação com portadores da Síndrome de Down para remodelar serviços e produtos de modo a melhor se adequarem às suas necessidades.

Androides sonham com ovelhas elétricas?
O que nos torna humanos? Ou melhor, o que nos proporciona a oportunidade de sermos humanos? Os avanços tecnológicos, que de tão ágeis parecem apontar para a total substituição do ser humano por máquinas e inteligências artificiais, na verdade aparentam caminhar para um cenário não tão negativo, mas tão extraordinário quanto: o futuro das conexões humanas não será apenas por acaso nas ruas, mas intencional e profundamente conectado por meio das possibilidades que a tecnologia cada vez mais nos proporciona. Não dependeremos mais tanto de “serendipity”, esse “encontrar as pessoas por acaso” que as pessoas tanto sentiram falta nessa primeira edição 100% digital do SXSW.

Caminhamos para uma realidade mais integrada, onde pessoas e tecnologias se unem e se potencializam: assim como seres humanos ajudam Inteligências Artificiais e programas de reconhecimento de voz a se aperfeiçoarem, os recursos tecnológicos nos permitirão ser ainda mais humanos, pertencendo e nos conectando a um mundo de possibilidades.

Seremos demasiadamente humanos, viabilizados pela tecnologia em um mundo ao mesmo tempo real e virtual.

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