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A Grande Lição De Tom

No SXSW haverá muitas palestras, debates, keynotes, jabá, NFT, metaversos, blockchain, DAO, PQP, diversidade, educação, política - tudo isso é apenas conhecimento


10 de março de 2022 - 17h33

Crédito: Shutterstock

Cheguei ontem aqui em Austin, vim mais cedo para conhecer algumas lojas locais. No Uber que me levava a uma delas conheci Tom. Um senhor de pouco mais de 60 anos, nascido no Kansas mas em Austin há mais de 40 anos onde trabalhou toda a vida, se aposentou, adquiriu uma loja do 7Eleven e durante meio período atuava como motorista de Uber.

Tom confessou que nunca havia pensado, mas que achou deveras curioso o fato que eu havia trazido: uma boa parte – se não todas as capitais estaduais dos EUA – não são as maiores cidades, como no Brasil. Austin, Albany, Sacramento, Springfield, Madison, ele complementou com Tallahassee, capital da Flórida.

Me fez lembrar e compartilhar de uma curiosidade: quando bem pequeno, meu pai me questionava a todo instante sobre uma série de informações de conhecimentos gerais, como os nomes de capitais de países e o nome do papa (Karol Wojtilla, nunca esqueci). Tom comentou que esse processo era importantíssimo, pois certamente me garantiu um mindset de curiosidade, do saber como constante.

Perguntei da razão da escolha do Uber, já imaginando respostas comuns sobre complemento de renda tão comuns aqui como no Brasil. Mas fui surpreendido. “Bem, na minha idade, já aposentado e com a vida e caminhada, eu escolhi o papel de ser um bom observador e continuar aprendendo. E a melhor forma que encontrei para fazer isso é sendo motorista do Uber em meio período, porque posso conhecer uma série de pessoas de todos os lugares e com toda a sorte de histórias, e todas elas me ensinam algo”.

Tom me contou da vez em que uma mulher entrou no seu carro e ele foi a primeira pessoa a quem ela contou que estava com um câncer de mama. Ela perguntou se poderia fumar um cigarro no carro, e ele não se opôs. Ainda conversaram um bom tempo, mesmo com o carro já parado no destino. “E como eu poderia saber da tua história, Ian, e de como o teu pai se dispôs a te desafiar ainda pequeno, e isso te influenciou a querer descobrir o mundo? Hoje vou chegar em casa para jantar e certamente o nosso encontro e o que você me contou será o tema da minha conversa com o meu filho.”

Ainda ficamos alguns poucos minutos com o carro parado no estacionamento da loja que eu visitaria e fecharia logo mais. Já estava muito inspirado e emocionado quando ele mencionou sua escolha, e as lágrimas vieram quando ele recordou a minha história dita logo no começo do trajeto. Ainda que de modo mais simples, meu pai, que quando vivo foi taxista, adquiria muito do seu saber a partir das muitas conversas com os passageiros.

Comentei com Tom que o saber, que é diferente de conhecimento, só é possível através desses encontros, dessas experiências. O saber só nasce nas relações.

No SXSW haverá muitas palestras, debates, keynotes, jabá, NFT, metaversos, blockchain, DAO, PQP, diversidade, educação, política – tudo isso é apenas conhecimento. E, conhecimento é da boca pra fora, não tá apropriado dentro do ser, não é autêntico. Algumas das coisas que eu verei já foram compartilhadas por aqui e serão compartilhadas como considerações ao longo dos dias, mas o mais importante é o que acontece entre, através e além do programado, do oficial, da agenda. É nas relações que a coisa acontece. É através das relações com diferentes experiências que o saber é adquirido.

Eu não quero saber o que palestrante X vai dizer sobre “vaidades sendos embaladas em NFT no metaverso da Nintendo”, mas quero ouvir como essa informação bateu em pessoas tão distintas quanto a Joana Mendes e Marcelo Tripoli. É trazendo pra dentro e misturando essas perspectivas que a gente constrói algo que nos possibilita uma relação de verdade com o mundo.

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