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“A cada um de nós que chega, vêm muitos juntos”

A importância de ter referência preta no SXSW


23 de março de 2022 - 19h31

Crédito: Reprodução/Instagram SXSW)

Quem acompanhou o festival de modo online, foi bombardeado com os conteúdos  durante os dez dias do festival SXSW, seja pelos canais de comunicação, ou pelas pessoas que  foram e fizeram questão de compartilhar as experiências e vivências em full time. O que mais  destacou no festival este ano foi uma maior delegação de pessoas pretas e em cargos de  liderança presentes no festival, o que é reflexo de um trabalho incansável que profissionais  tem feito aqui no Brasil.  

Enxergar estes espaços sendo ocupados por pessoas pretas é sem dúvidas um fator  determinante para o nosso futuro na inovação, é saber que daqui pra frente estaremos  ocupando todos os espaços, sem recuo.  

Conversei com Peter de Albuquerque (head de cultura e criatividade da Ambev) e Renata Hilario (Content Manager na Budweiser) que estiveram presentes no festival em  Austin Texas, que compartilharam as principais experiências, além de dar dicas para quem  for no próximo SXSW.  

Confira a entrevista completa:  

Beatriz Lopes: O SXSW é o maior festival e para quem acompanha de  modo online sente daqui a energia, e a quantidade de informações e conteúdos  relevantes que traz de ensinamento. Conta como foi chegar no festival, e o que  mais te chamou a atenção no SXSW? (É tudo isso mesmo que sentimos daqui ?) 

Peter de Albuquerque: É tudo isso que a gente sente de longe! De fato, não havia  vivenciado até o momento nada parecido com SXSW, seja em diversidade de pensamentos,  expressões artísticas, seja na relação entre um grande centro urbano (Austin) e um festival. A  duração também surpreende. O South-by te convida ao mergulho, e quanto mais você se  permite imergir mais ganha um entendimento integrado. Nunca havia feito uma cobertura, e  meu grande desejo foi o de transmitir diversos aspectos, para que pessoas que também  sonham conhecer o festival se sentissem perto da cidade e da experiência. 

Renata Hilario: De fato o SXSW é um dos maiores eventos de criatividade, inovação,  tecnologia, música e cinema. Então pra gente que é profissional da comunicação, respirar esse  universo de possibilidades, de tendências e do que está sendo construído globalmente, é muito  importante, é isso que vai alimentar com certeza a nossa pauta. Aqui tem pessoa do mundo inteiro falando de alguns temas que já circulam pelo Brasil também: metaverso, web 3.0,  NFT, entre outras pautas como a arte cultura, música, enfim.  

Mas é muito importante que a gente tenha esse olhar aqui, eu falo enquanto uma  mulher negra e arrisco dizer que esse foi o ano onde a gente teve uma maior delegação de  pessoas pretas neste festival, ainda muito pequena perto das outras pessoas, mas que já está  fazendo uma diferença e eu espero que cada vez mais a gente tenha mais representatividade.  Mas por quê que eu digo isso ? Chegar neste festival é uma grande alegria, uma honra estar aqui e me alimentar como profissional, mas veio pelo convite e possibilidade que a empresa  que eu atuo hoje me concedeu, então a um ano eu trabalho na Ambev, sou content manager  na Budweiser e junto com o Peter que é head de cultura e criatividade da Ambev, duas  pessoas pretas e ele é um homem gay preto, nós fomos convidados e junto com a liderança  entendemos alguns dos grandes eventos que seria importante pra alimentar a criatividade e  levar de volta para o Brasil.  

Além de eu ser content manager de Budweiser, sou embaixadora da liga das mulheres  inovadoras da Ambev, então eu venho representar a Inno Woman da Ambev para trazer este  olhar, essa outra perspectiva de tudo que estamos vendo aqui, e de como isso pode trazer mais  criatividade e inovação para as nossas estratégias. 

É importante que a gente esteja nestes espaços, de corpo e alma presente, porque daqui  vão sair muitas coisas que vai setar as agendas dos criativos, da estratégia, das organizações,  estamos falando de uma pauta global.  

Beatriz Lopes: Como o convite SXSW chegou para você ? E foi melhor do  que as expectativas, ou esperava mais? O que acredita que faltou no festival? 

Peter de Albuquerque: Essa viagem representa um projeto desenhado junto à  Renata Hilario, profissional inspiradora que me acompanhou nessa jornada, e o time de  Draftline e Inno Woman. Foi uma grande alegria poder também representar uma empresa do  porte da Ambev em uma agenda internacional. Além disso nos permite pautar criatividade e  cultura – missão principal da minha agenda – com mais oxigenação junto ao mercado criativo.  Sobre o festival, foi bem alinhado com minhas expectativas, e o que pode melhorar,  honestamente, é o maior investimento das empresas brasileiras para que mais pessoas negras,  lgbtqia+ e dissidentes possam viver dias assim, e beber dessa poderosa fonte sensível. 

Renata Hilario: Superou minhas expectativas sim. Acho um festival incrível,  necessário e acho que cada vez mais as pessoas precisam ter acesso a essa informação a esse  tipo de conteúdo. Educação e informação transformam vidas, e o contrário também, a gente  vive em um mundo onde a desinformação, fake news e a nossa atenção é muito disputada por  todos os lados e ela é muito valiosa.Então é importante estarmos conectados com conteúdo  de qualidade, com uma agenda relevante, com coisas que de fato vão contribuir pra gente  poder gerar impactos, impacto social, impacto dentro das nossas organizações, impacto positivo nas nossas vidas e sempre com um olhar muito coletivo, eu sempre trabalhei com esse  olhar coletivo.  

O que eu acho que faltou? Não que faltou, mas o que eu busco pessoalmente,  profissionalmente é cada vez mais ter um olhar aberto e atento não só para o que os EUA e  Europa pautam, e eu acho que precisamos cada vez mais, nós do ocidente, nós forçarmos a  ter um olhar também para o outro lado do mundo que tem um peso gigante, falo de oriente,  de China enquanto potência, então por mais que o governo desses outros países ditem as  coisas em um outro ritmo, talvez não tão democrático ou não tão acessível, eu acho que a  gente precisa muito expandir a nossa mente para não ser pautada por essa cultura e que a  gente tem mais “abertura”, então me interessa muito conhecer, buscar informação de outras  culturas, para além do ocidente, para além da Europa, da América, eu acho que me falta isso.

Beatriz: Para quem for no próximo SXSW o que não pode perder? Os Shows, o Network? As ativações em torno do auditório ? Ou as melhores  palestras estão centralizados no auditório? 

Peter de Albuquerque: O segredo para mim é não estar muito pré programado, e  sim se permitir descobrir a curadoria do evento, ao se relacionar com as pessoas e com a  cidade. É esse livre fluxo que te permite encontrar o que você nem imaginaria escolher. E é  no encontro desses inesperados acontecimentos que você descobre novos pontos para a sua  densidade crítica. 

Renata Hilario: Essa pergunta é muito boa e tem umas dicas muito importantes para  quem vem para o SXSW.A agenda ela contempla os keynote speakers que são os grandes  nomes do evento convidados, convidados para palestrar, esse é um ponto. Imagine uma  pirâmide, e temos os outros speakers também que são temas muito relevantes e esperados,  não são os Keynote, mas vem em uma segunda linha de temas muito esperados aqui no  festival, e aí tem as outras milhares de palestras que são pessoas que ao longo do ano podem  se candidatar, se inscrever e se forem aprovadas elas vão para o festival compartilhar suas  ideias, inovações e pautas. 

Tem as exposições de vários tipos de ativação, teve exposição de criatividade tecnologia,  saúde/ bem-estar, ativações das marcas, diversos espaços. Existe uma rua também que  contempla várias ativações de marcas, então as marcas alugam casas aqui e fazem as suas próprias ativações, é bem interessante. Isso acontece muito na primeira semana que tem uma  agenda muito voltada para tecnologia e inovação, criatividade branding.  Na segunda semana a energia da cidade muda totalmente, a pauta começa a ser sobre  música, cultura e arte, então começa a ter muita intervenções nesse sentido.  E sobre network é fantástico, a oportunidade de você conhecer pessoas muito  interessantes que estão super abertos a trocar mentoria, o network de uma forma orgânica, os  agendados pela SXSW, isso acontece muito e eu e Peter estamos aproveitando muito essa  oportunidade para poder trocar.  

Beatriz Lopes: Como mulher preta olhar que o SXSW estava com pessoas pretas  contanto dia a dia de sua perspectiva foi de um alívio e uma esperança gigantesca. Sabemos  que o universo da comunicação por muito tempo impôs que espaços como este não era para  nós. E depois de longos anos ver você ai é sem dúvidas um referência e inspiração para  muitos que trabalham com comunicação, inovação e criatividade. Qual mensagem você deixa  para jovens pretos que estão na comunicação e que por falta de referência talvez, nunca  tenham se imaginado ocupando lugares como este?

Peter de Albuquerque: É um momento que nos preenche de esperança, e fica o meu  desejo de que tantos de nós não desistam de sonhar e de acreditar na sua força no mundo.  Fica também o ponto de atenção para as empresas de que essas ainda exceções  precisam caminhar a cada dia para se tornarem novas regras. A cada um de nós que  chega, vem muitos juntos. Estamos expandindo nossa presença no mercado e não  acredito em recuo. Para isso, não podemos nos permitir perder ou reduzir a nossa capacidade  de sonhar. 

Renata Hilario: Eu fico muito feliz e emocionado de receber mensagens de jovens  pretos, especialmente sobre se sentir representados por mim, pelo Peter e pelos pretos que  estão aqui em Austin para esse evento. eu tenho 37 anos e nesses 37 anos o que eu posso dizer  é que eu ouvi muitos nãos, acho importante a gente não romantizar a nossa estrada, e porque  que eu estou falando isso? Porque pode ser que as pessoas que estão lendo essa entrevista elas  estão passando por esse momento agora, de ter recebido um “não” para uma entrevista, pra  algum projeto, pra alguma ideia, se sentindo sem esperança. Eu já estive neste lugar também  então estar aqui hoje em Austin que era algo que eu nunca imaginei da forma como aconteceu, é uma vitória coletiva sim, eu não estou aqui sozinha, eu não faço nada sozinha, e  eu sei o peso dessa responsabilidade. 

Eu procuro sempre ter em mente que a gente tem que acreditar nos nosso sonhos, mas  tem que ter os pés no chão também, e tentar sempre puxar os nossos, seja por inspirações seja  por uma palavra, por uma ajuda, por um conselho, uma dica. Eu acho que ao longo da  minha vida eu encontrei muitos nãos, mas eu também encontrei pessoas que me inspiraram e  que me disseram “vai por aqui, vai por ali”, e faz a diferença. 

Hoje eu tenho oportunidade, nos meus 37 anos, de estar em uma empresa que tem  projetos e que aceleram para que essas coisas aconteçam isso eu acho fantásticos, sem  demagogia, não é porque estou na Ambev, mas já trabalhei em outros lugares e conheço  outra empresas e eu sei que as coisas não acontecem na velocidade que a gente precisa e a  gente tem pressa, nós pretos temos pressa, vivemos em um país que a cada vinte  e três minutos um jovem negro é assassinado. 

Eu quero, nós queremos contar outras histórias. Eu assisti uma palestra aqui do Dário  que ele fala sobre como criar novas narrativas sobre a população preta, porque ao longo da  história das nossas vidas tivemos contatos com referências pretas de luta e isso é necessário, é  importante, mas na escola, na universidade muitas vezes não temos contato com criadores,  artistas, intelectuais, enfim, pretos que trazem essa outra referência para nós, não só de luta e  de dor, mas que nos leve a imaginar outros caminhos, outras possibilidades. Eu quero  conhecer arquitetos pretos, designers pretos, artistas, escritores, enfim, que a gente possa se  enxergar e sonhar também.  

Eu acho que o que transformou a minha vida foi a educação e a informação, temos que  usar os recursos que temos disponíveis nas mãos, as vezes eu não vou ter um dinheiro para  um curso, mas eu tenho acesso à internet e encontro um curso com conteúdos gratuitos, com  informações gratuitas, e vou me alimentando disso.  

Quando eu falo de Network eu sempre cito isso, uma rede que me ajudou muito foi um  grupo chamado publicitários negros que tem mais de 2000 profissionais pretos da  comunicação espalhados por todo país, lá temos muitas trocas e isso fortalece, alimentam,  mostram caminhos, possibilidades. Então Network, rede, educação, informação, acreditar em  você e nos seus sonhos, auto conhecimento é fundamental para não entrar na pilha de se  sentir menor, de achar que não é pra gente, de que não tem jeito, de que não tem chance. A  gente tem sim ! E eu quis dizer isso, de todos esses nãos, por que um dia o sim veio, um dia  aquele sonho que eu acreditava aconteceu, deu certo, virou depois de muito trabalho e eu não  sou uma pessoa deslumbrada eu gosto de manter muito os pés no chão, mesmo eu  conseguindo chegar em espaço que não conseguia chegar antes. Mas a gente quer mais,  não só por nós, mas pelo coletivo. Não adianta nada se eu não puder impactar a vida de  alguém para que no próximo ano tenha mais dos meus aqui, é um pensamento pessoal e  coletivo que me guia, e acho que quando tem essa certeza dentro da gente de saber quem a  gente é, ser autêntico, genuíno e acreditar nos nossos sonhos as coisas tem potência para  acontecer. 

Não é um discurso romântico, eu sei o quanto é difícil viver no Brasil ainda mais sendo  uma pessoa negra, mas eu acredito nas nossas potências, e a nossa geração está com bastão  na mão, eu costumo sempre falar uma frase do meu pai “ É uma obrigação ancestral ser  feliz”, e é. Muita gente morreu e sangrou por nós então pela nossa felicidade, para a gente  estar aqui nesse mundo, vivendo, melhor do que eles viveram um dia, então vamos construir, vamos construir! 

Finalizo essa entrevista com os olhos cheios de lágrimas de gratidão e de esperança com  a frase de Angela Davis: “Você tem que agir como se fosse possível transformar  radicalmente o mundo. E você tem que fazer isso o tempo todo.”

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