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O futuro não dá spoiler

É correr atrás da visão, das pessoas, da cultura, dos processos e das tecnologias certas para lidar com o futuro. Seja lá que futuro for esse


19 de março de 2021 - 18h53

Nesse último — trágico — ano, poucas coisas precisaram mudar mais do que os planos. Planos pessoais, profissionais, de negócios, de vida. O SXSW também teve de mudar os seus. E em 2021 foi naturalmente muito influenciado pela pandemia. A começar pelo seu formato, 100% online, e pelas sete trilhas que envelopam sua enxurrada de conteúdo.

Nesses primeiros dias de debates e palestras, não foram raras previsões como:

– “O mundo nunca mais será o mesmo”;

– “A pandemia vai mudar definitivamente a forma como nos relacionamos com as pessoas e como as pessoas se relacionam com as marcas”;

– “A Covid nos fará repensar totalmente a forma como marcas interagem com consumidores”.

O impacto da pandemia sobre comportamentos, relacionamentos e negócios é inegável. Mas, mais do que a profecia, a “disrupção” ou a tecnologia do momento (muitas delas de cair o queixo, como a impressora de DNA apresentada pela futurista da NYU Amy Webb, que permitirá, em breve, programar, editar e imprimir remotamente códigos biológicos: de plantas, animais e, vejam só, vírus) destaco aqui alguns pensamentos desse começo de festival que, na minha opinião, podem inspirar mudanças futuras de planos menos dolorosas nos negócios, no marketing e na publicidade.

(Créditos: Pixabay/Pexels)

A primeira delas vem de um papo entre dois “caras de TI”.
Jeff Lawson, co-fundador e CEO da Twilio e Werner Vogels, CTO da Amazon, no painel “Every Company Needs to Become a Software Company”, ao conversarem sobre tecnologia, acabaram dando uma aula sobre negócios e gestão. Falaram sobre como o software tem saído do “backoffice” para ocupar cada vez mais o “front office” dos negócios. Pense no seu banco, disse Jeff, o que faz você dizer hoje “eu gosto do meu banco”? Antigamente era a agência agradável, o gerente atencioso. Hoje é um app que não trava e tem boa usabilidade. Na opinião de Jeff, os melhores produtores de softwares são aqueles que conseguem trabalhar colaborativamente para romper o muro que muitas vezes existe entre o que é criado e quem efetivamente utiliza essas criações. Aqueles capazes de entender os usuários finais e converter as “dores” e necessidades dessas pessoas em soluções efetivas, amigáveis e aperfeiçoáveis.

E como transformar uma companhia ou um mercado tradicional numa “empresa de software”, tanto na gestão como nas suas entregas? Segundo Jeff, começando pequeno. Pensando em potencial, e não receita. Transformando um pequeno time, testando um modelo, resolvendo um problema específico. Qualquer coisa capaz de se tornar a ignição de uma transformação maior. Assim como fez a Domino’s quando percebeu que os aplicativos de delivery iam literalmente “comer o lanche deles” e, a partir de uma pequena solução, iniciou sua transformação de companhia de pizza para uma companhia “de software”.

Impossível não fazer paralelos com o marketing e a comunicação.

Atividades cujo potencial de impacto em toda a experiência do cliente também demanda que estejam cada vez mais no “front office” dos negócios. Cujos processos originais, fabris e monolíticos, precisam dar lugar a outros, mais descentralizados, colaborativos e adaptativos. Cujos ciclos rígidos de planejamento precisam se tornar mais ágeis e experimentais, com teste e aprimoramento contínuo a partir de feedback e inteligência de dados. E onde a inovação deve se tornar, cada vez mais, um motor de novas receitas e crescimento.

E como a inovação pode impulsionar negócios, o marketing e a publicidade?
Algumas boas dicas vieram de uma conversa com Jim McKelvey, cofundador da Square, fintech de pagamentos que rapidamente conquistou 1/3 dos pequenos negócios dos EUA. Em “How to Disrupt Billion Dollar Industries” Jim falou sobre a necessidade, o desconforto e as oportunidades que a inovação traz. Contou como se inspirou em companhias de outros setores, como a Southwest Airlines, que, assim como a Square, inventaram um jeito novo de operar para incluir em suas indústrias perfis de clientes que antes “não eram convidados para a festa”. Introduziu a ideia de “Innovation Stack”, que nomeia seu livro recém-lançado. De acordo com ela, não se pode ter sucesso em algo novo utilizando as ferramentas de sempre. Negócios que empoderam e rompem com o status-quo de seus mercados, segundo Jim, demandam uma “pilha” de inovações – em processos, ferramentas e tecnologia. Para fazer vingar a Square e permitir que pequenos negócios pudessem vender com cartão de crédito nos EUA, Jim participou da criação de nada menos que 14 delas. Todas inéditas.

Com simplicidade e honestidade, Jim destacou questões importantes — e até reconfortantes – para quem (não) dorme pensando nos desafios de seus mercados:

– Inovação não é a solução para todos os problemas, mas muitas vezes — e para muitas indústrias — é questão de sobrevivência.

– Não se pode ser expert em algo que nunca foi feito antes: ele mesmo e Jack Dorsey não sabiam nada sobre meios de pagamento antes de montar a Square. O mesmo aconteceu com Herbert Kelleher na criação da Southwest, e com Ingvar Kamprad na criação da Ikea.

– O mundo segue mudando e todo dia surge um recurso ou uma ferramenta nova. Com isso, muita coisa que aparentemente parece impossível pode ser possível.

O impossível também foi destaque na tradicional palestra de Amy Webb, futurista e professora da NYU, que neste ano não lançou seu aguardado report de tendências, mas sim 12 deles, com 500 (!) tendências para o futuro (disponíveis para download em https://futuretodayinstitute.com/trends). Se as regras da probabilidade não mudarem com o “novo normal”, certamente alguma dessas 500 tendências Amy irá cravar. Contudo, apesar da fartura de projeções, a apresentação de Amy foi, como sempre, interessantíssima. Trouxe patentes e protótipos curiosos, como o scanner de lixo, que automaticamente faz na Amazon pedidos de reposição de produtos recém consumidos. Ou as janelas inteligentes “noise-cancelling”, que reconhecem a frequência do barulho incômodo e emitem um contrassom que o cancela.

A apresentação de Amy foi instigante, mas também responsável. É impossível fazer previsões, disse ela. O que aconteceu em 2020 e segue acontecendo, é prova disso, completou.

E é sob a superfície dessa colocação — e das profecias sobre a pandemia ou sobre próximo “hype” de tendências, gestão ou tecnologia — que está o que, na minha opinião, há de mais relevante nos debates mercadológicos sobre o futuro: não existe “seguro” melhor para os planos de negócios, marketing ou comunicação que a capacidade de lidar com a incerteza.

Melhor que tentar prever o futuro, é tentar se preparar para ele.

É se conectar genuinamente com as pessoas, suas emoções, necessidades e dificuldades.

É exercitar criatividade e inovação, fazer delas um hábito e um ativo.

É fazer marketing, CX e comunicação ser “da conta” de todos dentro da empresa.

É correr atrás da visão, das pessoas, da cultura, dos processos e das tecnologias certas para lidar com o futuro. Seja lá que futuro for esse. Porque ultimamente o futuro não tem dado muito spoiler.

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