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Nossos comerciais, por favor

Resumos finais do SXSW 2021


23 de março de 2021 - 15h58

Terminou o SXSW da pandemia. Tirando a circulação de patinete pela agradável Austin, o churrasco texano e a música ao vivo pelos quatro cantos da cidade, o evento on-line não deixou a desejar e conseguiu superar as expectativas, tanto pela qualidade dos palestrantes quanto pela relevância dos temas abordados. Apesar da grande maioria das palestras serem pré-gravadas, era possível interagir ao vivo pelo chat, o que dava a sensação de estar presente no evento.

Como nas edições anteriores, a apresentação do Tech Trends Report pela Amy Webb, fundadora do Future Today Institute, foi um dos pontos altos desta edição. Amy dividiu as novas tendências em três grupos. Os wearables, tecnologias para serem agregadas ao corpo na forma de óculos, anéis, braceletes, roupas e até vasos sanitários, que permitem estar conectados 24 horas por dia, além de oferecer dados biométricos e laboratoriais para monitorar nossa saúde e melhorar nossa qualidade de vida. Outro grupo de tendências tem como foco o monitoramento humano, como o reconhecimento facial, que pode nos encontrar em meio à multidão, o aprisionamento nas nuvens ou até mesmo o hackeamento do nosso DNA e RNA. Mais sombrias ainda são as tendências de transformação da realidade, uma tecnologia pela qual tenho especial interesse.

(crédito: divulgação SXSW)

Antes da apresentação do Trends Report, já tinha acompanhado o painel “VR for Good”, no qual vários pioneiros da criação e produção de realidade virtual apresentaram trabalhos incríveis de tecnologia imersiva, que transformam os óculos em verdadeiras máquinas de empatia, transportando as pessoas para dentro de incêndios florestais ou campos de refugiados. Impossível não se sensibilizar com um problema, observado do ponto de vista de quem o está vivendo na pele. Também a realidade aumentada estava bem representada com projetos sociais interessantes, mas fiquei preocupado foi com o avanço da realidade diminuída, que irá nos permitir ver, ouvir e sentir apenas o que apreciamos, excluindo artificialmente de nossas vidas tudo o que nos desagrada, como um mendigo na rua, por exemplo. Parece que ainda precisamos refletir profundamente sobre isso antes de dar os próximos passos.

Procurei conteúdos sobre novos formatos de mídia digital, mas parece que esse assunto já virou coisa do passado no SXSW, não encontrei nenhum debate a respeito. Estava curioso para entender a questão sob a ótica dos consumidores, porque ando intrigado com alguns formatos publicitários extremamente invasivos que tenho visto como usuário das redes sociais. Não há nada de errado em consumir conteúdos de graça em troca de ser abordado por comerciais, mas parece que alguns anunciantes estão perdendo a classe. Mesmo na era do rádio, quando os programas eram patrocinados por empresas, como as soap operas, novelas bancadas por marcas de sabonete, a propaganda só aparecia no início e no fim. As pessoas sabiam que aquele conteúdo era “um oferecimento” da marca tal. Nos primórdios da televisão, quando a programação ainda era ao vivo, os apresentadores interrompiam educadamente o programa para a chamada dos patrocinadores, que apresentavam seus produtos. Depois, vieram as vinhetas de passagem, a mais famosa é o plim-plim da Globo, que interrompem o programa com algum critério, nos momentos de respiro, e que, em geral, possuem uma apresentação agradável, quase como um serviço ou uma vantagem para o telespectador. Funcionam como um sinal para correr até o banheiro ou assaltar a geladeira. Quando surgiu a TV por assinatura, a proposta era pagar uma mensalidade para não ser abordado pela propaganda, mas isso nunca aconteceu de fato. Sempre houve os brakes interprogramas, o que já é uma forma mais elegante de anunciar. Além disso, os comerciais são mais elaborados, criativos, bem produzidos e, praticamente, enriquecem a programação. Alguns varejistas até tentaram colocar ali os mesmos comerciais hard sell que veiculavam na TV aberta, mas logo perceberam que estavam no lugar errado.

Já as plataformas de vídeo na internet, permitem vários formatos de intervenção publicitária, como pre-roll, banners de rodapé ou displays nas páginas de busca. Acho legítimo ser abordado por algum anúncio antes de assistir ao que estou realmente querendo ver, desde que me ofereçam a opção de pular a peça antes de concluir, caso não seja de meu interesse. Da mesma forma, um banner no rodapé que anuncia algo pertinente ao assunto que estou vendo pode me seduzir ao clique, caso contrário, é de bom tom me permitir o direito de fechá-lo. Mas o que tem me incomodado mesmo é a interrupção brusca do vídeo, às vezes no meio de uma frase ou palavra, para a entrada de uma mensagem eufórica, de poucos segundos, que sou obrigado a ver até o fim, sem nenhum recurso de fuga. É essa falta de critério, para não dizer de educação, que tem gerado em mim um efeito contrário, fomentando uma certa antipatia pelo anunciante. Depois de algum tempo, comecei a perceber no canto inferior direito do vídeo uma contagem regressiva que avisa a entrada do anúncio, mas isso não alivia muito, gera, inclusive, uma ansiedade negativa, como o assobio da bomba que foi lançada ao ar e cairá em segundos sobre nossas cabeças.

Do ponto de vista das plataformas de vídeo, entendo que é uma forma de forçar a assinatura da versão premium (sem propaganda) dos aplicativos, ou seja, colocam um problema à nossa frente para vender uma solução, mas não compreendo por que os anunciantes estão aceitando esse papel de intruso a ser eliminado. Também entendo que é uma tentação para os profissionais de mídia oferecerem aos clientes um formato que encurrala os usuários, forçando-os a assistir sua mensagem, parece a armadilha perfeita. Acredito até que tem dado resultados, senão não estaria cada vez mais frequente, mas é preciso avaliar qual é a imagem que estamos construindo para as marcas com formatos como esse. Ou será que sou o único a pensar assim? Fica aqui o convite para o debate. Quem sabe isso não vire pauta para o SXSW 2022?

Mas, enquanto isso, nossos comerciais, por favor.

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